A suspensão da pena em matéria de crime fiscal só é possível quando condicionada ao pagamento da prestação tributária e demais acréscimos, mesmo que se saiba da impossibilidade desse pagamento por falta de meios para o efeito? Eis um tema que se tornou controverso, nomeadamente ante o Acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência n.º 8/2012 de 24 de Outubro [ver aqui] e a reiterada jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria.
A polémica está instalada quanto ao valor injuntivo do comando estatuído no artigo 14º do RGIT quando determina que: «1 – A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa». [o n.º 2 do mesmo preceito determina que: «2 – Na falta do pagamento das quantias referidas no número anterior, o tribunal pode: a) Exigir garantias de cumprimento; b) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão admissível; c) Revogar a suspensão da pena de prisão».
Ora o Acórdão da Relação do Porto de 16.10.2024 [proferido no processo n.º 2623/10.0TAMAI.P2, relator João Pedro Pereira Cardoso, texto integral aqui] determinou, com um voto de vencido, que [sumário elaborado pelo relator]:
I – É conforme com a Constituição a interpretação do art.14.º, do RGIT, que não condiciona obrigatoriamente a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento integral das quantias em dívida,
II – Viola os princípios da proporcionalidade e da culpa. (art.2º e art.18º, nº2, ambos da C.R.P.), a imposição ao arguido de um dever que, à data da sentença, se sabe de cumprimento impossível.
III – É claro que sempre pode haver regresso de melhor fortuna, mas também de pior azar, pressupondo a revogação da suspensão uma avaliação a posteriori da culpa no incumprimento da condição.
IV – Contudo, nada disto importa. Relevante é apenas a situação pessoal conhecida do arguido, à data da sentença, para aferir da circunstanciada e atual possibilidade razoável daquele pagar o montante da condição de suspensão imposta».
O tema já havido decidido em conformidade com tal perspectiva pelo Acórdão da mesma Relação de 19.11.2023 [proferido no mesmo processo, com o mesmo relator, texto integral aqui], no qual se determinou: «Nos crimes fiscais, ainda que puníveis exclusivamente com pena de prisão, o art.14º, nº1, do RGIT, não dispensa o juízo de prognose para fundamentar, adequadamente, a exequibilidade do dever imposto como condição de suspensão da execução da pena, bem como para proceder à fixação do quantum a condicionar».
Neste aresto do ano transacto a fundamentação é desenvolvida e é interessante a sua ponderação.
«O art.º 14.º do RGIT [Suspensão da execução da pena de prisão] preceitua no seu n.º 1 que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
Como resulta expressamente da letra da referida norma, nos crimes tributários a sujeição da suspensão de execução da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária e legais acréscimos, bem como dos montantes indevidamente obtidos, é uma imposição e não uma mera faculdade.
Refere o Supremo Tribunal de Justiça no Ac. de fixação de jurisprudência n.º 8/2012 [5], que em vez de se deixar ao critério do julgador a aplicabilidade caso a caso do cumprimento do dever de pagamento das quantias em dívida como condição da suspensão da execução da pena, a lei estabelece a obrigatoriedade da imposição desse dever, ou seja, aparentemente, sem se possibilitar a aplicação do artigo 51.º, n.º 2, do Código Penal.
O Tribunal Constitucional tem-se pronunciado pela não inconstitucionalidade do regime do art.º 14.º do RGIT, enquanto condiciona obrigatoriamente a suspensão da execução da pena ao pagamento das quantias em dívida, considerando que se mostra conforme com os princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da necessidade e proporcionalidade da pena [6]. São três as razões pelas quais afasta a objeção de que se está a impor ao arguido um dever que se sabe de cumprimento impossível e, com isso, a violar os princípios da proporcionalidade e da culpa: (i) o juízo quanto à impossibilidade de pagar não impede legalmente a suspensão; (ii) sempre pode haver regresso de melhor fortuna; (iii) e a revogação não é automática, dependendo de uma avaliação judicial da culpa no incumprimento da condição; a revogação é sempre uma possibilidade e não dispensa a culpa do condenado; o não cumprimento não culposo da obrigação não determina a revogação da suspensão da execução da pena[7].
O Supremo Tribunal de Justiça, através do citado Acórdão n.º 8/2012, fixou jurisprudência no sentido de que no processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105º, nº 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14º, nº 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado de prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade por omissão de pronuncia.
O acórdão recorrido, à luz da jurisprudência fixada no AUJ 8/2012, não realizou o necessário juízo de prognose de razoabilidade acerca da possibilidade do condenado satisfazer esta condição legal de pagar ao demandante, durante determinado período, atendendo à fonte de rendimento, encargo mínimo de subsistência e ao montante da quantia a pagar.
Ao omitir a formulação do juízo sobre razoabilidade de cumprimento da condição imposta o acórdão recorrido incorreu em omissão de pronúncia, determinativa de nulidade, nos termos do art.379.°, n.º 1, al. c) e n.º2, do Código Processo Penal – cfr. ac STJ 06-04-2016, processo 521/11.0TASCR.L1-A.S1, www.dgsi.pt.
Alguns Tribunais têm entendido que a necessidade do juízo de prognose a que se refere o citado aresto só se verifica quando o crime tributário em causa é punível com pena de prisão ou pena não privativa da liberdade, por exemplo, pena de multa [v.g. crime de burla tributária simples, p. e p. pelo art.º 87.º, n.º 1; crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art.º 88.º; crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no art.º 105.º, n.º 1, todos do RGIT]. Não se aplicaria, pois, aos crimes tributários puníveis apenas com pena de prisão [8].
Porém, não acompanhamos esse entendimento. Pelo contrário, consideramos que nada o autoriza, desde logo, porque não resulta da leitura do Acórdão n.º 8/2012.
Tal interpretação seria um forte atentado ao princípio da igualdade e não tem respaldo base factual que originou o AFJ, alargando de forma inadmissível o objeto do AUJ.
Por outro lado, o voto apresentado pelo Conselheiro Manuel Joaquim Brás aponta inequivocamente no sentido de que assim não é, quando, no que concerne aos crimes do n.º 5.º do art.º 105.º, do RGIT, puníveis, para a pessoas singulares, só com pena de prisão, se refere às consequências da impossibilidade de o arguido cumprir a condição, por contraponto com os crimes puníveis, em alternativa, com pena de prisão e pena de multa [9].
Assim, pensamos que a jurisprudência fixada no referido aresto também é aplicável aos crimes tributários puníveis apenas com pena de prisão, como acontece no caso vertente, dado que o crime de burla qualificada pelo qual o recorrente foi condenada é punível com pena de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares [10].
Consequentemente, tendo em conta o exposto, uma vez que o Tribunal a quo não fez o necessário juízo de prognose, nos termos determinados no Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2012, de 12/09/2012, incorreu em omissão de pronúncia, geradora de nulidade do Acórdão recorrido, no segmento referente à fixação da pena de substituição – art.º 379.º, n.º 1, al. c), do C.P.P..
[5] Publicado no Diário da República n.º 206, 1ª série, de 24.10.2012.
[6] Cf. Ac. TRP de 20.02.2013, relatado pelo Desembargador Pedro Vaz Pato, in www.dgsi.pt.
[7] Cf. o citado Ac. de fixação de jurisprudência n.º 8/2012, que faz um exaustivo apanhado dos Acs. do Tribunal Constitucional que concluíram pela inexistência de inconstitucionalidade do artigo 14.º n.º 1, do RGIT, na parte em que condiciona a suspensão da execução da pena de prisão ao pagamento pelo arguido do imposto em dívida e respetivos acréscimos legais: Acs. n.ºs 256/2003, 335/2003, 376/2003, 500/2005, 309/2006, 543/2006, 29/2007, 61/2007, 360/2007, 377/2007, 327/2008, 563/2008, 242/2009, 556/2009, 587/2009, 91/2010, e 237/2011, referidos no citado Ac. de fixação de jurisprudência n.º 8/2012, todos eles in www.tribunalconstitucional.pt. Aquele acórdão indica igualmente os arestos em que o STJ afastou a arguição de inconstitucionalidade da citada norma do RGIT.
[8] Cf., entre outros, Ac. TRP de 20.02.2013, Proc. nº 131/08.9IDPRT.P1 , relatado pelo Desembargador Pedro Vaz Pato; Ac. TRP de 08.10.2014, relatado pela Desembargadora Maria Luísa Arantes; Ac. TRP de 29.04.2015, relatado pela Desembargadora Elsa Paixão, RE 24.05.2022, Maria Clara Figueiredo, RP 29/04/2015, Proc. nº 290/07.8IDPRT.P1, RL 23-10-2018, Artur Varges, todos in www.dgsi.pt.
Na doutrina Tiago Caiado Milheiro, Navegando pelos mares (atribulados) da criminalidade tributária, JULGAR Online, maio de 2019 | 33-4.
[9] (…) Por outro lado, se, em relação aos crimes puníveis, em alternativa, com pena de prisão e pena de multa o recuo na aplicação da suspensão, por constatação da impossibilidade de o arguido cumprir a condição, ainda pode levar à opção pela pena de multa (por razão alheia ao processo de escolha da espécie da pena, repete -se) ou, no caso de se manter a preferência pela pena de prisão, à aplicação de outra pena de substituição, desde que a respectiva medida o permita, em relação aos crimes do n.º 5 do artigo 105.º do RGIT isso não é, em muitos casos, possível, pois, no que se refere a pessoas singulares, são puníveis só com pena de prisão. Pense -se no seguinte exemplo: o tribunal, num caso de crime do n.º 5 do artigo 105.º, tem como medida adequada da pena 4 anos de prisão, de acordo com os critérios e factores dos artigos 71.º do CP e 13.º do RGIT, e considera verificados os pressupostos da suspensão da execução da pena, mas, no momento seguinte, concluindo pela impossibilidade de o arguido cumprir a condição a que a suspensão obrigatoriamente teria de ser subordinada, deixa de suspender a execução da pena de prisão, que, assim, irá ser executada. E substancialmente nada muda mesmo que, nesse segundo momento, sem se ver com que fundamento, se reduza a medida da pena de prisão para 2 ou 3 anos, por exemplo. Quer dizer: nesses casos, o arguido, se tivesse capacidade económica para pagar a prestação tributária e os acréscimos legais, veria a pena ser suspensa na sua execução; como a não tem, vai cumprir a prisão, visto estar afastada, em função da sua medida, a possibilidade de a substituir por outra pena não privativa da liberdade. Sofre, assim, parece-me, um prejuízo em razão da sua situação económica, em violação do artigo 13.º da Constituição (…).
[10] Nesse sentido, aplicando o decidido pelo STJ no Ac. de fixação de jurisprudência n.º 8/2012 a crimes tributários puníveis apenas com pena de prisão, vide os seguintes Acórdãos, todos in www.dgsi.pt: Ac. TRG de 11.05.2015, relatado pela Desembargadora Ana Teixeira (ao crime de fraude fiscal qualificada p. e p. pelos art.ºs 103.º, n.º 1 e n.º 2 e 104.º, n.º 2, do RGIT, punível com prisão de um a cinco anos para as pessoas singulares); Ac. TRG de 10.10.2016, relatado pela Desembargadora Fátima Furtado (ao crime de fraude qualificada, p.e p. pelos art.ºs. 103.º, n.º 1, alínea a), e 104.º, n.º 2, do RGIT), sendo claro no sentido de considera que a jurisprudência fixada no Ac. STJ n.º 8/2012, obviamente se estende a todos os crimes fiscais, precisamente por a todos eles ser aplicável o citado artigo 14.º do RGIT.
Diferente desta a jurisprudência seguida por outros arestos, segundo os quais “a fixação do montante concreto do condicionamento da prestação tributária com sujeição ao regime previsto no n.º 2 do artigo 51.º do Código Penal (isto é, que o pagamento de tal montante seja exigível em face da situação económica do condenado) cumpre o princípio geral da humanidade das penas e da proporcionalidade, impondo que o regime de suspensão não seja condicionado por medidas ou deveres irrealizáveis, sob pena de os fins da suspensão perderem racionalidade, tornando-se inoperantes, donde a necessidade de ajustar à condição económica apurada, o montante a pagar, nos casos em que é de cumprimento integral é impossível para o arguido – cfr. RP 09-11-2022 (Nuno Salpico), processo 191/17.1IDPRT.P1, e RP 9/10/2019 (Nuno Pires Salpico), todos in www.dgsi.pt.
Como escreve Germano Marques da Silva, Direito Penal Tributário, pg.135: “Não faz sentido a obrigatoriedade da imposição deste dever. Pode suceder que logo no momento da condenação seja previsível que o condenado não terá condições económico-financeiras para proceder ao pagamento e por isso que a imposição desse dever constituirá apenas o adiamento da decisão sobre o cumprimento da pena de prisão. Ora, a prisão só deve ser imposta se necessária e o critério da necessidade não pode ser apenas a impossibilidade de pagamento da prestação tributária em dívida. A prestação tributária mantém-se e por isso que a Administração poderá sempre executá-la, sendo possível. Se o incumprimento fica a dever-se a impossibilidade e esta situação não foi causada culposamente não há justificação para a prisão”.
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Em contraponto, o voto de vencido proferido neste acórdão pelo adjunto Raul Cordeiro consignou o entendimento que reitera no aresto prolatado em Outubro passado:
«Concordando com o demais decidido, teria igualmente julgado improcedente o recurso quanto à questão da fixação da condição de pagamento para suspensão da execução da pena de prisão (questão 4.), tendo presente o teor do artigo 14.º, n.º 1, do RGIT e também o Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 8/2012, de 12 de Setembro (publicado no DR n.º 206, I Série, de 24-10-2012).
Com efeito, o referido preceito do RGIT estabelece o seguinte:
“A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.” (sublinhado nosso).
Trata-se de um regime especial relativamente ao disposto nos artigos 50.º, n.º 2, e 51.º, n.º 1, do Código Penal, pois que tal condição é de imposição obrigatória no caso de o tribunal optar pela suspensão da execução da pena (“é sempre condicionada…”).
Por sua vez, o referido Acórdão n.º 8/2012 fixou a seguinte jurisprudência:
“No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo, implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia.”
Esta jurisprudência obrigatória, no que respeita ao juízo de prognose, reporta-se ao “processo de determinação” da pena e não propriamente ao momento da opção pela suspensão da sua execução, pois que, sendo determinada a suspensão, o condicionamento é obrigatório e o quantum da obrigação de pagamento ao Estado está legalmente determinado.
Ou seja, sendo suspensa a execução da pena de prisão é inevitável a sujeição da mesma a tal condicionamento de pagamento dos valores devidos ao Estado, não tendo o julgador, a nosso ver, qualquer margem a esse respeito, nem tão pouco quanto ao montante da condição, pois que se impõe a reparação integral do prejuízo.
Em tal Acórdão do STJ salienta-se também a obrigatoriedade da imposição da condição – pois que, no domínio tributário, existe uma espécie pré-definida de dever, com uma dimensão económica exacta e incontornável, sem possibilidade de configuração parcial, de qualquer redução, corte ou desconto –, observando-se que o julgador, concluindo pela impossibilidade do cumprimento, deve reponderar a hipótese de optar por pena de multa, “pois o processo de confecção da pena a aplicar não é um caminho sem retorno, há que avaliar todas as hipóteses e dar um passo atrás, se necessário, encarando todas as soluções jurídicas pertinentes”, além de que “a escolha da pena de substituição é um prius em relação à imposição da condição.” (pág. 6015 – DR).
Com efeito, como ali também se aduz, “o que é de aplicação automática é a condição, não a suspensão, que demanda formulação de lógico juízo prévio; para que se verifique a imposição do condicionamento necessário é que antes se tenha optado exactamente pela suspensão, uma suspensão com contornos especiais, mas exactamente por isso a merecer maiores cuidados. A suspensão está subordinada, ela própria, à verificação de pressupostos, carecendo de avaliação a situação presente” (idem pág. 6015).
Efectivamente, como tem sido sustentado maioritariamente pela jurisprudência dos Tribunais Superiores, o AFJ n.° 8/2012 não permite ultrapassar a obrigatoriedade da sujeição da suspensão de execução da pena de prisão ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais e do montante dos benefícios indevidamente obtidos, nos termos do artigo 14.°, n.° 1, do RGIT.
Por outro lado, cumpre ter presente que a imperiosa formulação do juízo de prognose a que se refere AFJ n.° 8/2012 só se verifica, em nosso entendimento, quando o crime tributário em questão é punível com pena de prisão ou outra pena não privativa da liberdade.
Diferentemente, quando estiver em causa um crime fiscal apenas punível com pena de prisão, não se coloca a possibilidade de opção entre pena de prisão suspensa na sua execução e pena de multa. Só não será assim quando o arguido seja, em concreto, punido com pena de prisão não superior a dois anos, podendo esta (em vez de ser suspensa na sua execução com a necessária sujeição à condição de pagamento em causa) ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos gerais do artigo 58.º do Código Penal (cfr. neste sentido, os acórdãos da RP de 22-02-2013, Proc. 131/08.9IDPRT.P1; de 05-03-2014, Proc. 20/10.7TAAMT.P2; de 08-10-2014, Proc. 63/10.0IDPRT.P1; de 11-10-2017, Proc. 380/13.8IDAVR.P1; de 30-04-2018, Proc. 7815/15.3T9PRT.P2, e de 27-06-2018, Proc. 312/16.1IDAVR.P1, bem como o acórdão da RL de 26-02-2014, Proc. 1467/11.7IDLSB.L1-3, e o acórdão da RC de 29-10-2014, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Como se referiu no dito acórdão da Relação de Coimbra de 29-10-2014, afastada a possibilidade de aplicação de uma outra pena de substituição (pena de multa ou prestação de trabalho a favor da comunidade), o juízo de prognose “imposto” pelo AFJ n.º 8/2012 em nada mais pode influir do que na ponderação do prazo de cumprimento da obrigação (cujo carácter obrigatório, como condição da suspensão, nunca ali vem colocado em crise) e, consequentemente, do período da suspensão.
E o referido acórdão desta Relação do Porto de 30-04-2018 – Proc. n.º 7815/15.3T9PRT.P2, menciona que a exigência de pagamento da prestação tributária como condição de suspensão da pena à margem da avaliação do quadro económico do responsável tributário nada tem de desmedida, mostrando-se inteiramente justificada pelo interesse preponderantemente público que acautela e pela necessidade de eficácia do sistema penal tributário. Não ofende os princípios constitucionais da culpa, da adequação, da proporcionalidade e da igualdade e o princípio da necessidade das sanções penais, não sofrendo de inconstitucionalidade o artigo 14.º RGIT que obriga que a suspensão da execução da pena de prisão fique sujeita à condição do pagamento da indemnização.
No caso presente o recorrente AA foi condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, a qual não admite a substituição por outra pena não privativa da liberdade para além da suspensão da respectiva execução, embora obrigatoriamente condicionada ao pagamento da prestação tributária e acréscimos legais e do montante dos benefícios indevidamente obtidos, nos termos do citado artigo 14.°, n.° 1, do RGIT.
Ainda que a sua situação económica que resultou provada aponte, face ao elevado valor das quantias em causa, para uma dificuldades ou até impossibilidade (a manter-se tal situação) de cumprimento da condição, dir-se-á, todavia, que a questão da eventual desconformidade deste regime (que supõe a obrigatoriedade da sujeição da suspensão da pena de prisão ao pagamento das quantias em causa, independentemente da situação económica do condenado) com os princípios constitucionais da culpa, da igualdade e da necessidade e proporcionalidade da pena foi já objecto de múltiplas decisões do Tribunal Constitucional no sentido da conformidade (o próprio Acórdão do STJ n.º 8/2012 enuncia vários deles).
Efectivamente, o Tribunal Constitucional tem salientado, em apoio desta posição, o facto de ser sempre possível a alteração para melhor da situação económica do condenado e, sobretudo, o facto de a possível revogação da suspensão da pena pelo não pagamento nunca ser automática, mas depender sempre de uma avaliação judicial da culpa do condenado, não podendo um incumprimento não culposo ser fundamento de revogação dessa suspensão (cfr. os acórdãos do Tribunal Constitucional n.°s 256/03, 335/03, 376/03, 500/05, 309/06, 543/06, 29/07, 61/07, 360/07, 377/07, 327/08, 427/08, 563/08, 244/09, 556/09, 587/09 e 237/11, in www.tribunalconstitucional.pt).
Inconstitucional seria, parece-nos, a aplicação de uma pena de prisão efectiva ao arguido por força da sua débil situação económica e, portanto, previsível incapacidade de cumprimento da condição imposta.
Na verdade, sendo o condicionamento da suspensão obrigatório, já o eventual incumprimento não conduz automaticamente à revogação da suspensão da execução da pena, impondo-se a avaliação das circunstâncias em que o mesmo possa ter ocorrido, tal como resulta até da redacção do n.º 2 do referido artigo 14.º do RGIT (“o tribunal pode… c) Revogar a suspensão da pena de prisão”).
Assim, tendo em conta a sufragada interpretação do teor desse AFJ n.º 8/2012, designadamente quanto à obrigatoriedade, em caso de suspensão da execução da pena, de imposição da condição estabelecida no artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, bem como o momento em que deve ser feita a ponderação quanto à mesma, sendo de aplicação automática a condição e não a suspensão da execução da pena, considera-se, salvo o devido respeito, que não fará sentido a baixa do processo à 1.ª Instância, para elaboração de novo acórdão, onde deverá ser formulado juízo de prognose da razoabilidade da satisfação da condição legal, tendo em conta a situação económica do recorrente».