Os institutos conexos da apreensão e perda de bens têm conhecido um largo expansionismo de aplicação, na lógica da recuperação de activos. Há, no entanto, questões fundamentais de articulação dos mesmos com as garantias fundamentais, nelas incluído o contraditório, mormente estando em causa bens de terceiros.
É por isso muito interessante o Acórdão da Relação de Coimbra de 25 de Setembro de 2024 [proferido no processo n.º 4/23.5GAIDN.C1, relator Jorge Jacob, texto integral aqui], do qual cito, porque explicativo, o respectivo sumário:
«I – O conteúdo dos actuais nºs 7 e 9 do art. 178º do Código de Processo Penal foi reforçado pela transposição da Diretiva 2014/42/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, sobre o congelamento e a perda dos instrumentos e produtos do crime na União Europeia. No que tange aos bens pertencentes a terceiros que não sejam sujeitos processuais, essa Directiva teve em vista, para além do mais, assegurar os direitos fundamentais dos visados pela declaração de perda, aí incluído o direito a ser ouvido que assiste a terceiros, assegurando a possibilidade de impugnação.
«II – Ainda que a lei não o refira expressamente, os terceiros afectados pela apreensão devem ser notificados, uma vez que só assim se confere efeito útil à faculdade prevista no nº 7 do art. 178º do CPP.
«III – A declaração de perda de bens pertencentes a terceiros para efeitos de aplicação do art. 111º do Código Penal tem carácter excepcional, devendo enquadrar-se na previsão de uma das alíneas do nº 2 daquele artigo.
«IV – Estando em causa direitos, liberdades e garantias, nomeadamente, a garantia do direito à propriedade privada com sede no art. 62º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa [o Tribunal Constitucional tem considerado que «a garantia de cada um de não ser privado da propriedade (salvo por razões de utilidade pública, e ainda assim só mediante pagamento de justa indemnização), resultante do artigo 62º (designadamente, n.º 2) da Lei Fundamental, tem “natureza análoga” aos direitos, liberdades e garantias» – Acórdãos n.ºs 329/99, 517/99 e 202/2000], a declaração de perda à revelia do terceiro afectado traduz-se numa restrição ilegal de direitos, sem assento na lei, sendo manifestamente inconstitucional a interpretação que conduza à declaração de perda de objectos de terceiro sem que este, sendo conhecido o seu paradeiro, seja ouvido, ou sem que pelo menos lhe seja dada a possibilidade de se pronunciar, tendo aqui aplicação o estatuído no art. 18º, nº 1, da CRP».