Que em matéria de ilícito de mera ordenação social, mau grado as normas remissivas expressas do denominado Regime Geral [Decreto-Lei n.º 433/82], concretamente os seus artigos 32º e 41º, os princípios do Direito Penal e do Direito Processual Penal são aplicáveis em função de uma casuística, como se não fossem, em teoria, Direito Constitucional aplicado, já é sabido. Que isto gera assimetrias de critério e, sobretudo redução de garantias, é uma consequência inevitável.
Fica isto patente quando a jurisprudência aborda o tema do critério da valoração do montante da coima, não sendo ocioso referir que o montante das coimas criam uma severidade punitiva largamente superior à que resultaria de condenações penais. Temas como a existência de um cúmulo jurídico e não material das coimas, ou o âmbito dos poderes cognitivos e decisórios da Relação em matéria da medida da coima, estão em agenda.
Exemplo destas questões é o Acórdão da Tribunal da Relação de Lisboa a 11.09.2024 [proferido no processo n.º 190/24.7YUSTR.L1-PICRS, relator Armando Manuel da Luz Cordeiro, texto integral aqui], no qual respigo este excerto em que verifica, por um lado, o critério de :
«Na determinação da coima única deve atender-se, para além da apreciação conjunta dos factos, à responsabilidade social adscritiva do agente [3].
A lei não fornece um critério específico para a determinação a coima única e os critérios determinantes no direito criminal não são aqui diretamente aplicáveis, essencialmente, porque não está em causa a aplicação de uma pena que tem como limite a culpa do agente, mas sim outros interesses legalmente protegidos. Nem a punição visa, pelo menos diretamente, os fins previstos no art.º 40.º do Código Penal [4].
É entendimento maioritário na doutrina que atendendo aos valores protegidos pela aplicação das coimas, a coima única deverá, tendencialmente, ser fixada próxima do valor da cumulação material [5]. Contudo, tal não resulta ter sido a opção do legislador nem é a prática jurisprudencial.
Contudo, é jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça que apenas se deve alterar o quantum nos casos em que a fixação pelo tribunal a quo viola regras da experiência ou ocorre desproporção da quantificação efetuada. Neste sentido, e por todos, o acórdão do STJ de 14.07.2010 [6]:
“(…) no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada (…)”».
+
[3] Cf. Por todos Paulo Pinto Albuquerque in Comentário do RGCO, 2ª ed. Atual., anotação ao art.º 19.º, p. 119, e anotação ao art-º 9º, pp 85 e 86.
[4] “1 – A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 – Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
[5] Cf., por todos, Paulo Pinto Albuquerque in Comentário do RGCO, 2ª ed. Atual., anotação ao art.º 19.º, pp. 119 (9, 10) e 120-121 (18 a 20)
[6] Proferido no proc. n.º 149/07.9JELSB.E1.S1 e disponível in www.dgsi.pt, no qual se cita abundante jurisprudência do STJ nesse sentido: acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 – 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00 – 5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01 – 5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01 – 5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, in CJSTJ 2004, tomo1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 -5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 – 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 225; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07-3ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08-3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008 no processo n.º 3982/07-3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08-3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08-3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09-3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB-3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1-3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1-3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1-3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1-3.ª..