Tema que não será demais revisitar, o da não notificação pessoal ao arguido das decisões proferidas pelos tribunais superiores.
O Supremo Tribunal de Justiça, lembrou, no Acórdão de 13.07.2023 [proferido no processo n.º 1711/16.4S6LSB-H.S1, relatora Maria do Carmo Silva Dias, texto integral aqui] que «constitui entendimento uniforme das Relações e do STJ que os acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais superiores não têm de ser notificados pessoalmente ao arguido, mas apenas ao respetivo defensor ou advogado constituído[1]».
Em abono do decidido o aresto citado explicita:
«O Tribunal Constitucional[2] já se pronunciou repetidas vezes no sentido de que “as garantias constitucionais de defesa do arguido não exigem que uma sentença ou acórdão sejam sempre e necessariamente a ele pessoalmente notificadas, podendo sê-lo ao seu defensor”, desse modo concluindo pela não inconstitucionalidade do artigo 113.°, n.° 10, do CPP quando interpretado no sentido de que a notificação da decisão tomada pelos tribunais superiores em via de recurso poder ser feita ao defensor do arguido, não tendo, assim, de ser notificada pessoalmente ao arguido».
E acrescenta, louvando-se nesse entendimento:
«O que é perfeitamente compreensível, uma vez que se pressupõe que a decisão de recurso não tem de ser notificada pessoalmente ao arguido por se inserir no âmbito da chamada “defesa técnica”, que está a cargo e é da responsabilidade do Advogado, sendo, por isso, a este que incumbe, após a sua notificação da respetiva decisão superior, comunicar ao cliente tudo o que for relevante, assim como discutir a estratégia a seguir futuramente, sendo que, se for necessário, faz intervir tradutor/intérprete da sua confiança, para uma melhor comunicação com o arguido».
«Questão diferente, que já se colocou, tendo sido levada à apreciação do TEDH, é a que ocorre quando os advogados não transmitem, como é seu dever, o resultado do recurso aos seus clientes, deixando-os na ignorância quanto ao destino do mesmo».
Trata-se, pois, de um encargo que incide sobre os advogados. A ausência pessoal dos arguidos nos tribunais superiores é a regra. Neles não há leitura do decidido, pelo que não há a exortação que a lei prevê para a primeira instância para os casos de condenação [artigo 375º, n.º 2 do CPP], ou seja o apelo feito judicialmente a que o condenado se corrija, elemento integrante da prevenção especial que é fundamento do acto de punir.
Dir-se-á que o tecnicismo inerente ao que nos tribunais superiores se decide torna desnecessária, a presença dos arguidos e demais interessados, que, no entanto, não é proibida, apenas irrelevante.
Mas pergunto se tal critério continua a ter valor absoluto quando, não sendo o caso de renovação da prova [pois aí há lugar à convocação do arguido, nos termos do artigo 430º, n.º 4 do CPP, mas já não a regra da necessidade da sua presença], o recurso tem como fundamento uma reanálise da prova e a decisão irá fundamentar-se um outro critério sobre os factos e sua demonstração.
E, pergunto, sobretudo, se tratando-se de condenação consequente a uma absolvição a ausência do arguido e da necessária notificação à sua pessoa pode ainda manter-se como critério proporcionado que assegure todos os meios de defesa.
É que, visto o sistema na sua globalidade, fica sem se entender qual a razão pela qual a lei [artigo 133º, n.º 10 do CPP] exige em primeira instância que sejam obrigatoriamente feitas ao arguido as notificações «relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil», mas já, no que à sentença condenatória em primeira instância respeita [artigo 373º, n.º 3 do CPP] permite que «o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído» e quanto às decisões dos tribunais superiores, ainda que condenatórias, seja como se está a constatar.
Note-se, aliás, que o Tribunal Constitucional, precisamente no primeiro dos acórdãos que o STJ cita [o n.º 59/99] abre excepção à conformidade constitucional da mera nomeação ao defensor, não abrangendo no âmbito do permitido constitucionalmente o caso de a notificação ser feita não ao primitivo defensor, sim, ao defensor nomeado para o acto e teria valido a pena que o aresto citado o tivesse consignado.
Vale a pena alongar esta nota, citando o ali decidido [ver o texto integral aqui]:
«Mas, entende este Tribunal, esse cabal conhecimento, atinge-se, sem violação das garantias de defesa que o processo criminal deve comportar, desde que o seu defensor – constituído ou nomeado oficiosamente -, contanto que se trate do primitivo defensor, seja notificado da decisão condenatória tomada pelo tribunal de recurso.
«Na verdade, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre esse defensor, na vertente do relacionamento entre ele e o arguido, apontam no sentido de que o mesmo, que a seu cargo tomou a defesa daquele, lhe há-de, com propriedade, transmitir o resultado do julgamento levado e efeito no tribunal superior.
«De harmonia com tais deveres, há-de concluir-se que o arguido, por intermédio do conhecimento que lhe é dado pelo seu defensor (aquele primitivo defensor) ficará ciente dos motivos fácticos e jurídicos que o levaram a ser considerado como agente de um ilícito criminal e da reacção, a nível de imposição de pena, que lhe foi aplicada pelo Estado, ao exercitar o seu jus puniendi .
«Outrotanto, porém, se não passa se se tratar de um defensor meramente nomeado para a audiência em substituição do defensor que, para ela notificado, não compareceu.
«Aqui, esse defensor não estará vinculado a deveres funcionais e deontológicos que lhe imponham a dação de conhecimento ao arguido do resultado do julgamento realizado no tribunal superior, já que a sua intervenção processual se «esgotou» na audiência e somente para tal intervenção foi nomeado.
«Numa tal situação, e só nessa, é que este Tribunal perfilha a óptica segundo a qual norma constante do nº 5 do artº 113º do Código de Processo Penal, desse jeito interpretada, se revela contrária ao nº 1 do artigo 32º da Constituição, por isso assim se não almejam as garantias que o processo criminal deve assegurar ao arguido».
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«[1] Ver, entre outros, ac. do STJ de 11.12.2014, processo 1049/12.6JAPRT-C.S1 e de 03.05.2012, proferido no Processo n° 61/09.9TASAT-C.S1 (em www.dgsi.pt), neste último esclarecendo-se: “Porém, como tem sido entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores, maxime deste Supremo Tribunal, o regime das notificações não tem de ser idêntico para as sentenças de Ia instância e para os acórdãos proferidos em recurso pelos tribunais superiores, do mesmo passo que é diferente o regime, por exemplo, para efeitos de contagem do prazo de interposição do recurso num e noutro caso ou o tipo de intervenção do arguido que, diferentemente do que sucede com a audiência realizada em 1a instância, para a audiência destinada a conhecer do recurso interposto para o tribunal superior não é convocado (número 2 do artigo 421.° do Código de Processo Penal).
«Por via disto, vem o Supremo Tribunal de Justiça entendendo, pacificamente, que a norma do número 10 do artigo 113° do Código de Processo Penal, que impõe como excepção a necessidade de notificação pessoal do arguido, não se aplica, em sede de recurso, aos tribunais superiores, mas tão-só à 1a instância.». Nas Relações, ver, por todos, ac. do TRL 7.12.2021, processo 18/20.7JELSB.L1-5».
«[2] Neste sentido, entre outros, acórdãos do TC n.° 59/99, n.º 512/04, n.º 275/06, n.º 399/2009,n.º 234/2010 e n.º 667/2014, que podem ser consultados em www.tribunalconstitucional.pt.»