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Segurança Social: tutela punitiva

Ter tido a oportunidade de participar no Congresso da Segurança Social que teve lugar em Coimbra, organizado pela Faculdade de Direito, nos passados dias 21 e 22 deste mês, foi uma honra e um gosto, propiciando-me reflectir sobre a tutela punitiva relativamente às respectivas prestações.

A criminalização fiscal surgiu com o RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20_A/90, de 15 de Janeiro, mas nada se previa aí em matéria de tutela penal da segurança social, mas apenas dos ilícitos de natureza fiscal em sentido estrito e só cinco anos depois, com o Decreto-Lei n.º 140/95, de 14 de Junho o legislador constatou, enfim, que, mau grado o regime contraordenacional já vigente, «o quadro sancionatório dos regimes de segurança social tem-se mostrado incapaz de prevenir a violação dos preceitos legais relativos ao cumprimento das obrigações dos contribuintes perante o sistema da segurança social».

O sistema sofreria uma profunda alteração com o RGIT, o Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.

A primeira alteração foi desde logo de ordem conceptual, através do delinear de uma noção de infracção tributária, como categoria geral, que abrangia (a) por um lado, os crimes tributários comuns, estes subdivididos em (i) crimes aduaneiros [artigo 92º a 102º] (ii) crimes fiscais, dir-se-ia, em sentido próprio [artigos 103º a 105º] e crimes contra a segurança social [artigos 106º e 107º] e (b) por outro, as contraordenações aduaneiras [artigos 108º a 112º] e fiscais [artigos 113º a 127º].

Do ponto de vista sistemático, o RGIT, em matéria de crimes contra a segurança social, procedeu a uma arrumação pela qual:

a-» se previu no capítulo próprio que intitulou como crimes contra a segurança social, apenas dois tipos de ilícitos penais (i) a fraude contra a segurança social, simples e qualificada [artigo 106º] e o abuso de confiança contra a segurança social [artigo 107º]

b-» mas configurou-se no âmbito dos infracções tributárias ditas «em especial» [sem que se entenda o porquê da especialidade] todo um outro conjunto de crimes que se aplicavam tantos à matéria fiscal, próprio sensu, como à relativa à segurança social e assim (i) a burla tributária [artigo 87º] (ii) a frustração de créditos [artigo 88º] (iii) a associação criminosa [artigo 89º] (iv) a desobediência qualificada [artigo 90º] (v) a fraude, simples e qualificada [artigo 106º] e o abuso de confiança, simples e qualificado [artigo 107º]

Como tive ocasião de concluir, se houve ganho técnico com a sistematização dos crimes contra a segurança social através da recuperação do que já resultara da legislação de 1995, perdeu-se ante a circunstância de as contraordenações terem ficado de fora do diploma, mantendo-se em legislação específica, sem razão para a disparidade pois o RGIT, tal como o RJIFNA, abrangia no seu âmbito de previsão as contraordenações fiscais e incluía agora as aduaneiras, mas repete-se excluía as atinentes à segurança social.

De facto, do ponto de vista do regime contraordenacional, o RGIT, se bem que tenha previsto normas reguladoras deste ilícito de mera ordenação social atinentes aos crimes de natureza fiscal e aduaneira não incorporou as atinentes à segurança social, mantendo-as em legislação própria, nomeadamente, em primeira linha, as previstas no Decreto-Lei n.º 64/89, de 25 de Fevereiro, no qual se prevêm (i) as contraordenações relativas à vinculação ao sistema [artigo 6º] e (ii) as relativas à relação jurídica contributiva [artigo 7º].

Há, para além disso, que considerar outra legislação específica, como é o caso do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social aplicável aos trabalhadores por conta de outrem [Lei n.º 110/09, de 16 de Setembro, sucessivamente alterada], o regime dos trabalhadores independentes [Decreto-Lei n.º 328/93, de 25 de Setembro], o determinado em sede do quadro legal da reparação da eventualidade de desemprego [Decreto-Lei n.º 119/99, de 14 de Abril], etc.

E tudo isto sem desconsiderar que também em sede de regime processual as contraordenações contra a segurança social têm regime próprio, previsto na Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, já modificada em 2013, 2017 e em 2022, a articular – e sabe-se com que dificuldades de concatenação, com o Regime Geral das Contraordenações previsto no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, este já alterado pelo Decreto-Lei n.º244/95, de 14 de Maio.

E tudo isto com as normas remissivas do Decreto-Lei n.º 433/82, no qual se estatui o regime geral do ilícito de mera ordenação social, o qual abrindo a via para a aplicação subsidiária do Direito Penal e do Direito Processual Penal, fica à mercê da casuística pela qual destas variantes de Direito Constitucional aplicado, se aplicam ou não consoante a interpretação pela qual se retire, como conclusão, haver ou não lacuna e aqueles preceitos se articularem com os princípios gerais do Direito Previdencial, com as conjecturáveis zonas de incerteza, ambiguidade e lesão à segurança jurídica.

Não estou seguro de que esta técnica de sistematização, quer quanto aos crimes, quer quanto às contraordenações, e o regime adoptado quanto à matéria contraordenacional, contribuam para o rigor interpretativo dos preceitos, porquanto acaba por ser a confirmação e o desmentido de um mesmo conceito: por um lado, atende-se à especificidade material dos temas da segurança social, por outro miscigenam-se os mesmos no âmbito dos assuntos fiscais [continua, a propósito dos três tipos de crime que elegi, a fraude, o abuso de confiança e a burla aplicáveis à segurança social]

Foto: Campeão das Províncias

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