Anunciado [aqui] na revista JULGAR como uma apresentação dos caminhos de solução que têm sido seguidos, e das situações tipicamente colocadas a decisão judicial, o estudo do juiz desembargador William Themudo Gilman, indica uma proposta de ultrapassagem das dúvidas suscitadas. O seu texto integral está acessível através da ligação acima indicada.
Muito interessante é este seu excerto, no qual o autor exprime o que tem sido o seu entendimento sobre a matéria, vertido em arestos que, aliás, cita:
«Entretanto, após terem saído alguns dos acórdãos acima mencionados e outros que não foram publicados em www.dgsi.pt, começaram a surgir aqui e ali algumas alterações em acusações de crimes fiscais.
Constituíram essas alterações no acrescento de um ou mais factos genéricos alusivos à apropriação pelo gerente ou sócio da sociedade das vantagens do crime, normalmente situados perto ou misturados com os relacionados com o elemento subjetivo do crime.
Expressões como ‘locupletando-se assim’, ‘de obter para si e para a sociedade arguida’, ‘agindo com a intenção de fazer suas tais quantias e de as integrar no acervo patrimonial da sociedade arguida’, ‘com o propósito concretizado de obter, para si e para a sociedade arguida, da qual era representante, um aumento das suas disponibilidades financeiras e uma vantagem patrimonial a que sabia não ter direito, usando-as nomeadamente para suportar o “giro comercial” da sociedade arguida’, começaram a surgir nas acusações, tendo passado depois para as sentenças.
Só que, lendo as sentenças tais expressões, tais pérolas de indefinição e de generalidade não fazem qualquer lógica, pois que no resto da descrição dos factos, o que se vê é que a sociedade não pagou o imposto retido e devido e por isso foi ela que lucrou. Não há qualquer densificação desses termos conclusivos nem sequer aparecem justificados na motivação de facto das sentenças. Falta não só a determinação ou identificação das vantagens que resultaram para o gerente da sociedade, daquele agente do crime que atuou em nome de outrem, como também o quando, como e onde da aquisição para ele das referidas vantagens, e sem isso não há, não pode haver, declaração de perda de vantagens.
Ora, essas manobras na matéria de facto não são aceitáveis e os tribunais, os juízes, têm de estar muito atentos ao dar os factos como provados para ver se não estão a cair numa armadilha semântico-jurídica.
A consequência jurídica de tais manobras, conseguindo tais expressões passar inadvertidamente para a matéria de facto provada da sentença é a da sua inocuidade para preenchimento dos pressupostos da perda de vantagens, devendo ter-se tais fragmentos como não escritos.
Com efeito, tais expressões conclusivas ou genéricas ‘metidas a martelo’ na matéria de facto da acusação e tendo conseguido passar silenciosa e sorrateiramente para a matéria de facto da sentença não poderão ser tomadas em conta pelo tribunal, pois não passam de meras imputações genéricas. Ora, as imputações genéricas de enriquecimento, sem qualquer especificação das condutas ou factos em que se concretizou esse enriquecimento ou vantagem criminosa – quando, onde e como ocorreu o enriquecimento – por não serem passíveis de um efetivo contraditório e, portanto, não permitindo o exercício do direito de defesa constitucionalmente consagrado no artigo 32º da Constituição, não podem servir de suporte à declaração de perda de vantagens, sendo por isso de se ter por não escritas.
Ou isso ou então verifica-se insuficiência da matéria de facto para a decisão ou, no mínimo, falta de fundamentação por não justificar a presença daquele fragmento conclusivo na matéria de facto provada, o que integra o vício da sentença previsto no artigo 410.º, n.º 2, al. a) do CPP ou então a nulidade dos artigos 374º, n.º 2 e 379º do CPP».