É curiosa a comparação entre o que é publicado na Colectânea de Jurisprudência e o que surge na dgsi. Não me refiro a acórdãos que se encontrem um dos locais mas já no outro. Quero agora fazer menção aos sumários.
É sabido que o sumário tem como missão resumir aquilo que tenha valia geral e abstracta e possa servir como critério do decidido, primeiro, e depois disso, orientação jurisprudencial para situações análogas, nomeadamente em que esteja em causa o mesmo ponto de Direito.
A sua redacção é, por isso, acto de responsabilidade, para que o resumo esteja em conformidade com a substância do resumido.
Digno de registo é quando exista discrepância e a mesma vá no sentido de um dos sumários em presença ser mais extenso do que o outro ou até dele discrepante e assim o leitor não poder prescindir de ambos para poder formular o seu próprio juízo sobre a matéria.
Exemplo, colhido ao acaso e por mero acaso, o Acórdão proferido a 10 de Janeiro de 2024 pela Relação de Coimbra no processo 260/23.9GAPNI-A.C1, relatora Ana Carolina Cardoso, publicado na dgsi aqui].
Na dgsi a relatora resumi-o assim: «Nos crimes de violência doméstica deve ter lugar a tomada de declarações para memória futura, em nome da proteção das vítimas contra a vitimização secundária, sem necessidade de justificação acrescida, só assim se não procedendo quando existam razões relevantes para o não fazer».
Já quando da publicação na CJ, o sumário [que tem firmado como F.P.A., Fernando Prata Andrade] é bem mais extenso, pois, ante o aresto, considera relevante também que dele se extraiam duas asserções:
-» «a vítima de violência doméstica é sempre considerada uma vítima especialmente vulnerável, nos termos do disposto nos ars. 67º-A, n. 1, al. b) e n.º 3 do Código de Processo Penal, conjugado com o art. 125º do Código Penal»
-» «Se na versão do Código de Processo Penal a tomada de declarações para memória futura ocorria penas nos casos previstos no art. 271º, a possibilidade de produção deste meio de prova foi sendo ampliada, tendo em conta designadamente, a fragilidade das vítimas e a sua protecção e a especial situação em que se encontram».
Mas mais. É que comparando o sumariado comum, o elaborado pela relatora e o redigido pelo anotador, verifica-se que não há integral coincidência de conteúdo.
Assim, a relatora considerou importante considerar o inciso «só assim se não procedendo quando existam razões relevantes para o não fazer», a orientar uma lógica de excepção, o que na CJ não surge.
Conclusões que me permito extrair:
-» nada como ler os arestos na sua íntegra e não apenas sumários, seja qual for a sua proveniência
-» não dar como assente que os sumários, valham como espécie de interpretação autêntica do decidido ou do critério decisório, por mais cómodo que seja limitarmo-nos a, em termos de leitura, ficarmos por eles.