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A abolição da pena de morte

Comemora-se no dia de hoje mais uma efeméride do abolicionismo da pena capital. Foi a 1 de Julho de 1867 que foi abolida a pena de morte para os crimes civis. Havia sido proscrita para os crimes políticos em 1852. Permaneceu em vigor para os crimes militares até 1911. Em 1916, com a entrada de Portugal na 1ª Guerra, foi  reposta pela República “em caso de guerra com nação estrangeira, em tanto quanto a aplicação dessa pena seja indispensável, e apenas no teatro da guerra” e assim mantida na Constituição de 1933 [artigo 8º, n.º 11] para ser aplicada «em caso de beligerância com país estrangeiro, e para ser aplicada no teatro de guerra».

Tal pena corporal era aplicável, por previsão que proveio das Ordenações Afonsinas e passou para as Manuelinas e para as Filipinas, a um vasto número de crimes, como é o caso dos crimes de lesa-majestade, moeda falsa, quebra de degredo perpétuo, tirada de presos em poder da justiça, encobrimento de malfeitores passíveis da pena capital, violação, adultério, coito com parente de seu amo ou senhor, alcovitaria reincidente, sodomia, incesto, união carnal de judeus com mulher cristã ou vice-versa, injúrias graves [designadas pela forma: meter ou mandar meter merda na boca], homicídio voluntário ou meros ferimentos, falsificação de carta ou selo régio, feitiçaria, furto superior a montante elevado ou de determinados objectos ou em certas circunstâncias.

À crueldade da ablação da vida, em regra pela forca, somava-se a possibilidade de ser a execução efectivada com sofrimentos atrozes. Assim poderia ocorrer a imolação pelo fogo -«até ser feito em pó para que nunca do seu corpo ou sepultura possa haver memória» [caso da moeda falsa e da sodomia] ou com rituais que poderiam ser inclusivamente consignados nas sentenças.

Manoel Lopes Ferreira, na sua obra Pratica Criminal [existente na Biblioteca do Tribunal de Contas em edição de 1741, citado por Guilherme Braga da Cruz na edição de 1761 no artigo com que contribuiu para o colóquio internacional, realizado em Coimbra em 1967  comemorativo do centenário da abolição] dá uma noção impressionante do que se poderia tratar face às Ordenações Afonsinas:

«[…] tirada a sentença do processo, se notifica logo ao Reo condemnado, e feita a notificaçaõ no primeiro dia, trata logo o padecente do Sacramento da peni­tencia, confessando-se de todos seus peccados, no segundo dia recebe o Santissimo Sacra­mento da Eucharistia por modo de viatico, chamadas, e convocadas pessoas Religiosas, e de conhecido espirito, e virtude, para que o disponha, e solicite á conformidade, que deve ter com a vontade de Deos, e da Justiça para morrer no patibulo, ou lugar depu­tado, a que chamaõ forca, com hum conhecimento verdadeiro, de que morre pelas culpas que tem commetido: e naõ vay a padecer nesse dia em reverencia do Senhor que recebeo nelle, mas no dia seguinte, que he o terceiro, depois da notificaçaõ, vay de manhãa fazerse a dita execuçaõ na pessoa do tal Reo sendo primeiro avisados os Irmãos da Santa Casa da Misericordia em tudo piissimos pelos exercidos em que se occupaõ, os quaes o acompanhaõ até aquelle referido lugar.
3. Nesta mesma forma se executaõ tambem as sentenças dadas aos condemnados a morte, ou seja indo por seu pé ao lugar do patibulo, onde se lhe ha de dar o garrote, ou seja indo a a arrastar, ou atanazar, e ultimamente a morrer; porque para todas estas execuçoens, se obra sempre primeiro o que assima dissemos. A forma de arrastar he quando o caso he muito mais grave, e atroz, e sendo o crime de leza Magestade Divina, ou humana da primeira cabeça; e sempre os Irmãos da Santa Casa da Mise­ricordia, levaõ o couro em êj_ o tal padecente vay deitado, no ar, levantando-o do chaõ; para que aquelle corpo naõ se vá arrastando, e pizando, pelas ruas; e pelo qual vay puxando hum cavallo. E a forma de atanazar so se executa hoje nos pretos quando mataõ a seus senhores, ou fazem outros crimes graves pelos quaes merecem este castigo: vay posto em hum carro, nu da sintura para sima, e junto a elle hum brazeiro com uma tanaz, e nos lugares aonde o porteiro deita o pergaõ, o algõs pega na dita anaz em braza, e com ella lhe aperta as carnes das costas. Estes padecentes despois de chegados ao lugar do ultimo suplicio, saõ enforcados, e feitos em quartos, e decepadas as mãoos, ou conforme a sentença declara se faça a tal execuçaõ, e os quartos, e a cabeça os vay por o algós onde pela Justiça lhe he mandado, em lugar alto onde seja visto de todos, e ficaõ ahi até que o tempo os consumaõ, sendo sempre os taes padecetes acompanhados com os Padres em quanto vaõ para o suplicio, e ate que morraõ: pois so atendem à salvaçaõ das suas almas, por meyo das confiçoens, e arrependimento de suas culpas.
4. E na mesma fórma se obra, quando tambem pelos crimes que commetem, saõ sentenciados a morrer queimados, ou sejaõ vivos, ou de garrote: de garrote he quando commettem o crime de moeda falsa, sodomia, bestialidade, e outros semelhantes; porque feitas as disposiçoens referidas se lhe dà o garrote, estando sentado em sima de hum barril de alcatraõ; e lhe poem o fogo depois de morto.
5. E se he por furto de Sacrameto, he na mesma forma de arrastados, e chegando ao lugar do patibulo se lhe corta primeiro a maõ, e se lhe mette o pulso em trometina fervendo, despois se lhe dà o garrote setado no barril de alcatraõ, e depois de morto se lhe poem fogo; Assim saõ tambem os relaxados por judaismo, excepto o decepamento de maõ, e arrastado.
6. Porém os que negaõ a verdadeira Fe, de Nosso Senhor Jesu Christo, saõ quei­mados vivos, fazendose-lhe huma polé alta em que estaõ sentados prezes, e debaixo se ascende huma grande fogueira, … ».

 

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