Quais os poderes do Estado rogado quanto ao mérito do pedido de cooperação internacional formulado pelo Estado rogante? São limitados, mas sobre isso há lei que estabelece o alcance da apreciação. Mas quais os poderes para a apreciação da situação subsequente nomeadamente quando o Estado que requerera uma diligência vem desistir da mesma?
No caso estava em causa não a lei geral que em Portugal regula a matéria [Lei n.º 144/99, de 31 de Agosto, ver aqui], mas sim a Convenção de Auxílio Mútuo que liga os PALOP’s e abrange o Brasil [aprovada por Resolução da AR n.° 46/2008, publicada em 12/09/2008, ver aqui].
O caso foi decidido pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 12.01.2023 [proferido no processo n.º 666/21.8TELSB-A.L1-9, relatora Raquel Lima, texto integral aqui], o qual firmou o seguinte entendimento:
«No âmbito da carta rogatória em que foi solicitado o imediato levantamento de arrestos anteriormente decretados, não tem qualquer suporte legal protelar o cumprimento da carta pedido pelo País remetente, conjecturando uma futura decisão e acautelando uma dissipação do património que, no entender do País rogado, não foi bem acautelado»
Ao fundamentar tal decisão o aresto em causa cita um outro Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 25/Fevereiro/2021, no Proc. nº 1005/19.3TELSB-C.L1-9 * (i.e., na Carta Rogatória Distribuída que, na verdade, está na origem da destes autos), in www.dgsi.pt, num pedido de cooperação internacional não cabe às autoridades do Estado requerido (neste caso as Autoridades Portuguesas) valoração sobre a lei do Estado requerente, ou sobre a aplicação das diligências solicitadas no âmbito do processo onde se fundou o pedido de cooperação. [* no sumário não se menciona o número do processo, apenas o ano da sua emissão]
Cito o sumário deste acórdão:
«I- Tendo o pedido de cooperação sido executado, em conformidade com a legislação nacional, este tem de ser cumprido sem que as autoridades do Estado requerido- Portuguesas, façam qualquer valoração sobre a lei do Estado requerente, ou sobre a aplicação das diligências solicitadas no âmbito do processo onde se fundou o pedido de cooperação;
«II-Embora se refira no Relatório da P.J. a verificação de elementos relacionados com outro ilícito de crime de branqueamento, praticado por outros agentes em Portugal e, eventualmente com ligações ao processo brasileiro que originou a carta rogatória, tal não concede competência às autoridades Portuguesas para ampliar o pedido de cooperação em execução da carta rogatória;
«III-Ou seja na execução do pedido pelas autoridades portuguesas, o mesmo foi ampliado no seu objecto e alargado a pessoa diversa da inicial a quem se dirigia a diligência. E, foi nessa execução do pedido e à luz do nosso Código de Processo Penal (diploma aplicável ao caso), que se verifica a prática de actos não permitidos no âmbito da carta rogatória proveniente das autoridades brasileiras no âmbito da Convenção de Auxílio Judiciário em Matéria Penal entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa;
IV-A consequência de tal excesso conduz ao facto inquestionável de ter sido praticada uma nulidade insanável, prevista nas alíneas d) e e) do artigo 119 do C.P.P. que fulmina o despacho recorrido e concomitantemente faz proceder o recurso interposto que visava exactamente o cometimento de tal excesso que estava omisso na Carta Rogatória vindo da República Federativa do Brasil».