A responsabilização punitiva de uma pessoa colectiva foi ser tema problemático porquanto estas, sendo uma ficção jurídica, não têm conduta que não seja a dos que agem em seu nome; depois, não é possível formular, salvo ficcionando ainda mais, um juízo de culpa a entes que não têm intelecto nem volição próprias, salvo, uma vez mais, a dos seus agentes. Hoje tudo isso é passado: a pragmática impôs-se e mesmo no Direito Penal é hoje ponto assente a sua punibilidade.
A própria dicotomia entre pessoa singular e pessoa colectiva esbate-se em presença do conceito de empresa e da substituição de um conceito jurídico que a caracterize em favor de um conceito meramente económico.
Assim se facilita a punição, ficando, como pergunta, se o ajustamento dos conceitos não é instrumento de uma intenção apriorística de punir.
Vem isto a propósito desde breve [105 páginas] mas interessante livro da autoria de Paulo Sousa Mendes.
O cerne é o Direito Europeu da Concorrência, nomeadamente em função dos artigos 101 e 102, sobre a concorrência, insertos no Tratado sobre o funcionamento da União Europeia [vê-lo aqui] e no contexto da responsabilização contraordenacional.
Iniciada a leitura, ficam algumas notas logo sobre o capítulo inicial, a propiciarem tema de reflexão:
-» o conceito [afinal relevantíssimo em sede de imputação e sancionamento] de “empresa”, não resulta dos instrumentos legislativos do Direito Primário e Secundário da União Europeia
-» reveste o conceito de empresa uma actividade, independente do seu estatuto jurídico, as unidades economicamente activas, ainda que de natureza singular e ainda que sem personalidade jurídica
-» processualmente há diferenciação entre a entidade destinatária da nota de ilicitude e assim responsável pela coima e a entidade autora da infracção.
-» podem ser consideradas empresa única unidades diferenciadas e assim, imputar, por exemplo à empresa mãe actos praticados por uma subsidiária , nomeadamente se aquela exercer influência sobre esta, o que pode derivar de uma presunção ilidível não só no caso de detenção por aquela da totalidade do capital desta, como ainda no caso de controlo efectivo de todas as acções da subsidiária.
Enfim, não querendo alongar a análise é interessante este asserção: «[a] imputação da infracção de uma subsidiária à sua sociedade-mãe não põe em causa o princípio da tipicidade dos delitos (nullum crimen, nulla poena sine lege) [note-se !] na medida em que esta solução tem sido constantemente repetida desde a década de 1970» [página 20]: ou seja, o que poderia ser um problema de desconformidade com princípios que são constitucionais nos países civilizados e fazem parte de um património garantístico primário, tornou-se uma realidade sujeita à regra do costume tornado lei.