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Tribunal Constitucional e os elefantes de Aníbal

Entre os vários fundamentos que o Tribunal Constitucional tem encontrado para recusar o conhecimento dos recursos que lhe são apresentados está o escudar-se no argumento de que o recorrente pretende colocar em crise não uma norma jurídica, sim uma decisão judicial que a aplicou, mesmo que esteja em agenda a conformação concreta que a norma conheceu quando da sua interpretação e aplicação, ou seja, o denominado Direito no caso.

Olhando, ainda que numa primeira inspecção, para as 527 da tese de mestrado de Afonso Brás, obra de exame pormenorizado do tema, percebe-se que o assunto merece já dimensão académica de primeira grandeza: ou seja, ao tornar-se amplamente problemático, evidencia-se que se transmutou em tópico discutível, provindo, pois, dos territórios da incerteza. O que fala por si quanto ao favor ao recurso e no que à segurança jurídica respeita, tudo isso em risco, como se sob a regra odiosa amplianda.

Naturalmente que o livro, universitário que é na origem, não entra logo no assunto sem fazer o seu enquadramento, iniciando-o pela explanação, numa primeira parte, do que denomina «a ideia normativa de Constituição» no âmbito do surgimento «de uma jurisdição constitucional», fazendo-o no quadro de um excurso histórico pelo continente europeu, primeiro, antes da Revolução Francesa e por aí em diante, e pelo norte-americano, abrindo assim o tema de «necessidade de um Tribunal Constitucional no domínio do constitucionalismo europeu» antes de, em estilo de conclusão colocar em contraponto os sistemas difuso e concentrado de fiscalização da constitucionalidade.

Ainda em registo histórico, e numa mesma lógica de contextualização, Afonso Brás traz-nos uma extensa narrativa sobre a evolução do problema do exame da constitucionalidade em Portugal, concluindo aquela primeira parte sob o conceito de uma justiça constitucional objectiva, pelo controlo normativo da compatibilidade constitucional das normas legais, inaugurando, pois, aí o que se segue.

A segunda parte [páginas 183 a 527] é a que conhece directamente o objecto do estudo, afinal o «conceito funcional de norma» e o seu conceito material, construção do dito conceito funcional pela jurisprudência do Tribunal e sob o critério da doutrina, tomando expressa posição sobre o assunto, enfim, para, centrado o tema, transpô-lo para três situações-limite em que ele tem oportunidade de surgir, o das cláusulas gerais e conceitos indeterminados, o das normas ditas “implícitas” e, enfim, o das normas consideradas “virtuais”.

Dotado de um texto inicial de apresentação e de conclusões, em que é possível seriar o conteúdo essencial da exposição, impressiona o extenso elenco de decisões jurisprudências que convocou para análise.

Em suma, obra de extrema útil para quem queira repetir, agora em sede de exame de constitucionalidade, a proeza do cartaginês Aníbal Barca ao passar pelas estreitas escarpas dos Alpes com os seus elefantes, vindo da Hispânia a caminho da península itálica. A esse lendário general valeu-lhe a regra «se não encontrarmos um caminho, abrimos um». Oxalá a partir deste estudo se consiga.

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