«I – A alínea g) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP dispõe que há fundamento para a revisão quando “uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça”.
«II – A sentença do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), sobre o caso ora em apreço, é vinculativa para o Estado português e esse Tribunal considerou violado o art.º 6º, n.º 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, ao não ter sido ouvida a ora recorrente na audiência pública no Tribunal da Relação, sobre se “a sua responsabilidade penal deveria ter sido considerada como diminuída, o que poderia ter tido influência importante na determinação da pena”, “tanto mais que a sentença do Tribunal de Matosinhos divergia da perícia psiquiátrica, sem contudo enunciar os motivos dessa divergência tal como exige o direito interno”.
«III – Decidiu o TEDH, portanto, em sentido contrário aos tribunais portugueses, mas apenas sobre uma questão procedimental, a de ouvir ou não a requerente, obrigatoriamente, em audiência pública, na fase de recurso, sobre determinada questão controvertida, considerada determinante para a determinação da pena.
«IV – Todavia, o TEDH recusou-se a retirar daí uma consequência substantiva, respeitante à própria medida da pena aplicada, pois “não se vislumbra o nexo de casualidade entre a violação constatada e o alegado dano material [designadamente “o reembolso dos montantes que teve de pagar em consequência da sua condenação] e, por isso, se rejeita o pedido. Com efeito, ao Tribunal não compete especular sobre o resultado a que o Tribunal da Relação teria chegado se tivesse ouvido a requerente em audiência pública (…)”.
«V – A reabertura do processo – que no caso do ordenamento interno português se satisfaria, em abstracto, pela autorização de revisão da sentença condenatória, nos termos dos art.ºs 449.º e seguintes do CPP – já constituiria, segundo o TEDH, uma reparação integral para a ora recorrente. No entanto, esse expediente só se imporia, em concreto, se a lei interna o permitisse e as circunstâncias do caso («à luz do acórdão proferido para o caso em apreço») o justificassem. Ora, o recurso de revisão é restrito, na nossa lei interna, às «sentenças (nomeadamente condenatórias») e não a quaisquer despachos de orientação do processado, sendo que se «diz (…) sentença o acto pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa» (art.º 156.º, n.º 2 do CPC).
«VI – Ora, a revisão da sentença não pode ser autorizada, face à lei nacional, com o fundamento invocado pela recorrente, pois não há inconciliabilidade entre a sua condenação e a sentença do TEDH, para o efeito da referida al. g) do n.º 1 do art.º 449.º do CPP. O que há é uma inconciliabilidade entre o procedimento que a relação adotou na realização da audiência que antecedeu a decisão do recurso e aquele que o TEDH considerou indispensável para assegurar os direitos de defesa.
«VII – Face ao direito nacional, a ausência do arguido, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência, é uma nulidade insanável (art.º 119.º, al. c, do CPP). Contudo, as nulidades, mesmo as insanáveis, não são fundamento do recurso extraordinário de revisão de sentença, já que “devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento” (cf. art.º 119.º), isto é, até ao trânsito em julgado da decisão final, pois é nessa altura que se esgota “o procedimento”.
«VIII – Por outro lado, como o próprio TEDH refere, não é permitido fazer qualquer especulação sobre qual teria sido a decisão da relação se a condenada tivesse sido ouvida na audiência que antecedeu a decisão de recurso, designadamente, se a pena teria sido a que foi cominada ou uma outra diferente. Assim, o TEDH excluiu, desde logo, que a sua decisão pudesse suscitar graves dúvidas sobre a condenação, ainda que esta se considerasse apenas na vertente da pena efetivamente aplicada.
«IX – Em suma, a decisão vinculativa do TEDH não é nem inconciliável com a condenação nem suscita graves dúvidas sobre a sua justiça, pelo que não se verifica o fundamento indicado pela ora recorrente para se poder autorizar a revisão da sentença condenatória.»
A luta pelo processo de revisão, a luta contra a intangibilidade do caso julgado, a luta pela consciência de que a Justiça erra e que o erro é reparável, é um processo interminável. Veja-se, elucidativo, este acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.03.12 [relator Santos Carvalho, texto integral aqui]: