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Desistência da instrução: sim ou não?

A irretractabilidade dos actos processuais penais é um tema que não é fácil: está, por um lado, ligado ao que seja a extensão da autonomia da vontade e do consequente princípio do dispositivo no âmbito deste tipo de processo, por outro, dependente daquilo que seja a previsão legal, esta na medida em que o acto não previsto não é permitido, pois não se trata de um processo de jurisdição voluntária.

O Código de Processo Penal que vigora prevê, em significativa inovação face ao seu anterior, amplas zonas em que o consenso impera, outras em que é relevada a renúncia e a desistência, nomeadamente em matéria de crimes não públicos e no que se refere aos temas da acção indemnizatória conexa com o procedimento penal.

Zonas existem em que existem restrições, como é o caso do momento temporal até ao qual tais actos são permitidos [veja-se em matéria de recursos o exemplo do artigo 415º do CPP] ou da necessidade de haver homologação judicial,  como ocorre quanto à desistência da queixa [artigo 51º do mesmo diploma].

E subsistem dúvidas quanto a outras eventualidades, uma delas a consistente em saber se é passível de desistência o requerimento de abertura de instrução formulado pelo arguido.

A regra da legalidade dos actos – naquilo em que estatua a proibição de actos de processos não previstos na lei – levaria a uma resposta negativa; valorando a inutilidade de uma fase orientada a um efeito que o requerente afinal não pretende, a resposta será diversa.

Eis o que decorre, em síntese contraída, do Acórdão da Relação do Porto de 06.07.2022 [proferido no processo n.º 234/19.4PAVLG-A.P1, relatora Amélia Catarino, texto integral aqui], o qual estatui, segundo o seu sumário:

«I – Considerando que o mais importante princípio que enforma o processo penal é o da presunção de inocência, e que o arguido deve ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, (artigo 32º, nº2, da CRP),e atendendo a que a demora do processo penal, além de prolongar o estado de suspeição e as medidas de coacção sobre o arguido, tenderá a esvaziar de sentido e retirar conteúdo útil ao princípio da presunção de inocência, e sendo a fase de instrução, quando requerida pelo arguido, como é o caso, destinada à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.” – artigo 286º, nº 1 e nº2, do CPP- ao desistir da instrução o arguido está a dizer ao tribunal que quer que a sua causa seja submetida a julgamento, qua tale.
«II – Dado que a submissão a julgamento é uma evidência aceite pela arguida, e que a instrução não irá servir para sindicar a decisão do Ministério Público na parte em que a decidiu submeter a julgamento: Não admitir a desistência e determinar a realização do debate instrutório seria praticar um acto inútil, proibido por lei (artº 130º do CPC, ex vi do artigo 4º, do CPP).»

Interessante notar-se que a mesma Relação [no seu Acórdão de 06.04.2022, proferido no processo n.º 9276/19.9T9PRT.P1, relator Raul Cordeiro, texto integral aqui] já havia estatuído em sentido oposto, ao sentenciar:

«I – Estando na disponibilidade do arguido e/ou do assistente requerer a abertura da instrução, nas situações que a lei enuncia (n.º 1 do art. 287.º do Código de Processo Penal), a partir do momento em que é proferido despacho a admitir tal ou tais requerimentos e é declarada aberta a fase da instrução, a mesma passa a ser obrigatória.
«II – A admitir-se a desistência da instrução, tal representaria um afloramento do princípio do dispositivo (próprio do processo civil), contrário à natureza publicista do processo penal.»

Dada a divergência de julgados é muito útil comparar as duas decisões.

 

 

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