O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2017 [publicado no Diário da República n.º 72/2017, Série I de 2017-04-11; relator Manuel Joaquim Braz, texto integral aqui] fixou jurisprudência no seguinte sentido: «A partir do encerramento do inquérito com dedução de acusação, o arguido, até ao termo dos prazos referidos no n.º 8 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, tem o direito de examinar todo o conteúdo dos suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações escutadas e de obter, à sua custa, cópia das partes que pretenda transcrever para juntar ao processo, mesmo das que já tiverem sido transcritas, desde que a transcrição destas se mostre justificada.»
Da fundamentação, respigamos os seguintes excertos, pois que elucidativos:
«[…] a interpretação do n.º 4 do artigo 89.º no sentido de contemplar a possibilidade do exame desses suportes em momento anterior àquele e fora da secretaria, sem qualquer vinculação, nomeadamente por quem nem é sujeito processual, seria incoerente, por não ter em conta a «unidade do sistema jurídico», como manda o n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil, e ilógica, por desconsiderar a regra do n.º 3 do mesmo preceito, segundo a qual deve presumir -se «que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados». Deste modo, na hipótese colocada — a de os suportes técnicos das escutas fazerem parte do processo —, haveria que fazer uma interpretação restritiva do n.º 4 do artigo 89.º, no sentido de o exame do processo não abranger esses suportes.»
«A exigência de que o exame dos suportes técnicos pelo assistente e pelo arguido seja feito na secretaria e de que só lhes sejam entregues cópias das partes que pretendam transcrever para juntar ao processo visa minimizar o risco de divulgação de dados relativos a matéria reserva.»
«Deve ainda notar -se que o não acesso do arguido (e do assistente) aos suportes técnicos das escutas antes do encerramento do inquérito foi tido como assente pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 13/2009 do Supremo Tribunal de Justiça, onde, a propósito da actividade atribuída ao Ministério Público durante o inquérito pelo n.º 7 do artigo 188.º, se afirma que, nessa fase, haja ou não segredo de justiça, ‘‘não há ainda acesso aos suportes técnicos por parte do arguido e do assistente, como decorre do n.º 8 do artigo 188.º” [Diário da República, 1.ª série, de 6 de Novembro de 2009, página 8371]. Reafirma -se, pois, que, relativamente aos suportes técnicos, o arguido só tem direito a que lhe sejam entregues cópias das partes das gravações que pretenda transcrever para juntar ao processo, em concordância com André Lamas Leite, que não vê neste ponto razão para controvérsia: ‘‘estabelece -se agora que a obtenção de cópias apenas pode ter por fito a transcrição de partes tidas por relevantes para serem juntas aos autos até ao termo do prazo para requerer a abertura da instrução ou para deduzir contestação” [ob. cit., página 652]. Isso não significa, porém, que não possa obter cópias de partes já transcritas por iniciativa de outro sujeito processual. Mas, porque «não é lícito realizar no processo actos inúteis», nos termos do artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo penal por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal, só poderá obter essas cópias se apresentar motivos que o justifiquem. Um desses motivos, admitido pelo acórdão recorrido, pode ser o da eventual desconformidade entre aquilo que consta dos suportes técnicos e aquilo que foi transcrito. Haverá também razão para transcrever conversações ou comunicações já transcritas no caso de o arguido pretender justificadamente que estas não se encontram suficientemente contextualizadas, como admite Carlos Adérito Teixeira [Escutas telefónicas: a mudança de paradigma e os velhos e os novos problemas, revista do CEJ, 1.º semestre 2008, n.º 9, página 268].»