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São tempos estes da cultura “intervalar”, para retomar a frase de Fidelino de Figueiredo, o relativismo entre um mundo que foi e um mundo que ainda não nasceu.
Terei de voltar a deixar aqui as minhas notas de leitura às propostas de reforma do Código de Processo Penal. Assim regresse a paciência, encontrado tempo. Mais aquelas do que este.
O importante não é, porém, no meu modo de ver, exprimir o que penso sobre este ou aquele instituto do processo, sim o que observo sobre a cultura processual.
Por um lado, o desprezo de uns quanto aos meios processuais, diabolizados os que os usam como se vis abusadores, anafados pelo “excesso de garantismo”, culpados de entorpecerem, dilatoriamente a acção da Justiça, de gerarem dolosamente a impunidade, todos assim misturados, com os reais chicaneiros, os verdadeiros litigantes de má fé, eles os que querem apenas que se cumpram as regras do jogo enquanto não acabarem com elas, e tudo isto amalgamado, em vergonhosa contradição moral, com a complacência com os mesmos expedientes processuais, com a mesma gestão do facto através do processo, a mesma subrogação da lei substantiva pela lei adjectiva que deveria ser seu instrumento e se torna em seu sucedâneo quando isso convém aos que a censuravam, quando os fins justificam afinal os meios, assim lhes toque ao resultado que querem atingir pela delonga, a gestão do tempo prescricional, o surdo arquivamento. 
É a ideia, mais do que pressentida, percebida, mesmo pelo leigo e pelo plebeu, de que “ao menos do processo não se livra”, e quanto à prisão “pelo menos a preventiva caiu-lhe nos costados”, aquele e esta a serem o feito intercalar em vez do que se sabe não se poderá no final fazer: o meio ser o resultado.
Por outro, a doce sabor que tantos encontram nas formas dúcteis, na maleabilidade dos actos, no arranjo do processo ao sabor do momento, no consenso modelador arranjado entre os participantes no caso, organizando-se “à maneira”, que a ideia de a lei impor a forma processual prévia, tal como exige que a lei incriminadora seja a pretérita, passou a moda defunta porque inútil, inviabilizando o negócio processual, o expediente oportuno, o reino do Senhor do Bom Despacho.
Enfim, é o regresso do processo penal como processo de jurisdição voluntária: afeiçoável ao que for a conveniência do caso.
É pois essa a cultura “intervalar”, entre o tempo em que se respeitava a lei e o tempo em que a lei se ajusta. Do dura lex passou-se ao fantástico tempo da mollis lex.
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