Ter estado hoje de tarde em Faro a falar sobre o papel das vítimas no crime de corrupção permitiu-me entender-me comigo quanto a um conjunto de ideias sobre esse tipo de ilícito:
-» primeiro, que a tipificação do crime é como se o considerasse o legislador um crime de enriquecimento, quando ele é afinal um crime de dano àqueles que não souberam usar o suborno como instrumento de geração da vantagem a seu favor;
-» segundo, que só a manipulação das categorias conceituais – ditas dogmáticas – é que permite considerá-lo [como o fez a doutrina com aplauso na jurisprudência] crime de resultado e não de mera actividade, pois que se considera [para mim de modo insólito] como resultado o facto psicológico da oferta ou do pedido serem levados ao conhecimento da outra parte, quando o resultado tipicamente relevante se supõe ser algo tangível e valioso do ponto de vista dos interesses protegidos pelas normas legais;
-» terceiro, que na lei e na prática a corrupção é considerada como se fosse um crime em si, autónomo e sem contexto, quando ele é um crime instrumental do (s) ilícito (s) – tantas vezes criminosos – que se mercadejou (aram) em contrapartida do suborno e que bem poderiam ser objecto de perseguição em sede de concurso real com ele;
-» quarto, que o desenho típico introduzido nas normas legais – mesmo a partir de 2008 na que criminaliza a corrupção no sector privado pura e simplesmente escorraça a existência de vítimas do crime, e no entanto no plano de Acção Comum da União Europeia [de 2003] estava prevista uma formulação em que os elementos de substância [lesão à concorrência ou dano a terceiros] eram considerados como relevantes;
-» enfim, que não se diga que tratar-se de crime de acção penal popular [artigo 68º do CPP] é forma de habilitação da intervenção das vítimas, pois que do que se trata é de não terem estas, devido à formulação típica do crime em causa, estatuto de ofendidos e como tal nem a lesão de que foram vítimas por esse crime poder ser demandada em processo que o tome como objecto.
Enfim, mais houve. A ideia é demonstrar em que medida tudo concorre, neste contexto para a impunidade da corrupção. O texto vai ser publicado. Darei notícias do mesmo. Ficam aqui, em estilo telegráfico, algumas ideias e o agradecimento à organização do evento.