Há quantos anos tenho o seu Tratado, comprado ainda em tempo de poucos recursos e imensas ambições. Sete volumes, espessos, escritos em linguagem clara, fruto de uma vida dedicada ao ensino do Direito Criminal, redigida durante anos, iniciada em 1946 e prolongada até 1957, ano da sua publicação, sempre me impressionou, que a findar o último tomo, dele conste uma bibliografia dos seus escritos, lista imensa de livros, monografias e traduções. É que, tivesse sido Luis Jiménez de Asúa apenas o professor encerrado no seu gabinete de trabalho, cercado pela biblioteca e dividido entre o ensino e a teoria jurídica e eu compreenderia como teria sido possível aquele agigantado labor, a sua extensão, a sua profundidade.
Mas não. Se há vidas que são várias vidas, a dele é exemplo, vividas todas intensamente.
Nasce em 1889, em Madrid, foi trabalhador-estudante em virtude das dificuldades financeiras, pois ficou órfão bem jovem. Defende tese de doutoramento em 1913, tomando como tema, que será o início maior das suas reflexões, a questão do carácter determinado das penas, enfim o problema de saber se a sua duração pré-fixada é compatível com as finalidades que se propõem.
Ocorre a partir daí a sua formação no estrangeiro, em Paris, na Suíça e em Berlim, onde frequentou as aulas de Franz von Liszt. Tem de abandonar a Alemanha devido ao início da Primeira Guerra.
É em 1915 que inicia a sua actividade docente especificamente universitária que se prolongou por toda uma vida.
As ideias políticas, que expressou em registo de intervenção cívica, haveriam de colidir, porém, com a História de Espanha, primeiro com o surgimento da ditadura nacionalista de Jose Antonio, Primo de Rivera, depois com a de Francisco Franco, tudo regimes ditatoriais incompatíveis com o seu pensamento liberal.
Incansável viajante, desloca-se em 1923 à Argentina onde profere conferências que de ora em diante dissemina praticamente por toda da América Latina. Em 1926 é desterrado para as Ilhas Chafarinas.
Regressado a Madrid, após indulto Real, depara-se com a impossibilidade de continuar a ensinar e é na circunstância que de novo se translada para a Argentina, sua pátria de acolhimento e se desdobra em périplo incessante.
O advento da II República espanhola, em 1931 convoca-o para a política activa, o que aceita com relutância, mas é eleito deputado, sendo trabalho da Comissão a que presidiu a Constituição da República de então.
É durante o período da Guerra Civil que a sua militância se transforma claramente em acção pública. É nomeado Encarregado de Negócios na Checoslováquia, ponto nevrálgico para a criação de uma rede de espionagem e acção clandestina a favor da causa republicana, sendo ministro plenipotenciário a partir de 15 de Abril de 1937 e presidente da delegação espanhola à Sociedade das Nações.
Finda a guerra, vitorioso o franquismo, resta-lhe o exílio. Arranca então o momento mais criativo, o de sistematização do seu pensamento. No plano político assume a Presidência das Cortes no exílio, as únicas que reconhece como legítimas, saídas de sufrágio popular. Escreve incessantemente, desdobra-se em novas viagens, faz pedagogia em esforço sempre renovado.
É deste período a redacção do Tratado.
Falece em 16 de Novembro de 1970, após um enfarte cardíaco sofrido no ano antecedente. Foi até ao fim Presidente da República espanhola, a que jamais reconheceu a legitimidade a Francisco Franco.
Advogado durante período efémero defende socialista implicados na Revolução de Outubro de 1934.
Na sua obra, minuciosamente documentada, Enrique Roldán Cañizares traz-nos não apenas os passos do Mestre, mas a evolução das suas ideias. Asúa teve tempo de vida para ter coexistido com a Escola Clássica do Direito Penal, com o pensamento de Enrico Ferri, Edmund Mezger e com o Hans Welzel, para citar três marcos miliários dessa evolução história da teoria jurídica sobre o crime e as penas. O fim da sua vida devolve-o ao encontro dos seus primeiro passos.
Um trabalho assim sobre uma vida como esta exigiria muito mais do que este breve apontamento. Não me é possível por várias razões até porque, não fosse relevar a ignorância, ainda vou a um terço das 406 páginas. Não poderia, porém, deixar de vir aqui sinalizar, uma estridente alegria ante o livro e a nostalgia pelo que poderia ter feito da sua lição de vida.