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Tempo de prisão/início da pena

«Sendo o desconto estabelecido um benefício para os condenados, também eles devem beneficiar, no cumprimento das penas de prisão onde os descontos são efectuados, de um regime de contagens que leve em conta esses mesmos descontos como cumprimento de pena. Desta forma, e no nosso entender, sem qualquer ficção, ajusta-se tal tratamento à letra da lei, quando manda que os períodos de privação de liberdade sejam descontados por inteiro no cumprimento da pena de prisão». Assim decidiu o Acórdão da Relação de Guimarães de 06.02.12 [relator Filipe Melo, texto integral aqui].
Desenvolvendo a fundamentação do decidido considerou: «a corrente, representada pelo Ac.TRP, pº 1692/09.0JAPRT-B, e que a decisão recorrida perfilhou, faz apelo a uma data, essa sim, ficcionada, para início da pena, fazendo então funcionar os mecanismos do citado artº 61º, o que redunda em que os dias, meses ou anos de privação de liberdade antes do trânsito em julgado só serão contabilizados no cumprimento da pena para determinação do seu termo, não tendo a mesma repercussão útil (ou seja, por inteiro) para determinar o meio e os 2/3 pressupostos da concessão da liberdade condicional. No mesmo sentido vidé Acs.do TRP de 4-5-2011, rel. Coelho Vieira, do TRL de 27-3-2008, rel. Calheiros da Gama; e também do TRL de 21-10-2004, rel. Margarida Vieira de Almeida. Em linguagem corrente, qualquer pessoa, mormente o arguido, entende e tem por certo que, se por hipótese foi condenado a 4 anos de prisão, terá cumprido metade e faltar-lhe-á a outra metade (aritmeticamente igual) após ter estado detido 2 anos, momento em que lhe faltarão os outros 2. Isto, repete-se, sem qualquer ficção».

«Tal entendimento, de resto, e ao contrário do que temos visto seguir, é o defendido por Figueiredo Dias, quando ensina que “Para efeito de se considerar «cumprida» metade da pena, contabiliza-se seguramente qualquer redução que a pena tenha sofrido, nomeadamente por via de perdão parcial ou de outra medida graciosa; como igualmente se contabiliza qualquer privação de liberdade sofrida no processo que conduziu à condenação ou por causa dele, nomeadamente, o tempo de prisão preventiva. Deste modo, pode acontecer que logo no momento da condenação o arguido esteja em condições – ao menos formais – de ser colocado em liberdade condicional” – Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 536. Ficção existe, em nossa opinião, no entendimento trazido pelo Ministério Público na sua resposta (fls. 3038; 96 destes autos de recurso) de que o condenado apenas inicia o cumprimento de pena na data em que transitou em julgado a decisão condenatória e em que é colocado à ordem do processo ou dá entrada no estabelecimento prisional para o cumprimento dessa pena. Neste sentido, ou seja, de que os períodos de privação da liberdade indicados no nº 1 do art. 80º do Código Penal devem ser levados em conta no cômputo dos prazos de concessão da liberdade condicional, veja-se o Ac.TRP nº 208/04.0GBBAO-B.P1 – 4ª Sec., de 25/03/2009, Relator Jorge Jacob. No sentido de que o meio da pena e os 2/3 da pena são calculados não sobre o remanescente da pena a cumprir (depois de operado o desconto) mas sobre todo o tempo de detenção já sofrido [o que interessa é o tempo de cadeia efectivamente já sofrido] também se pronunciou o Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, Lisboa, 2008, pág. 211 ( em anotação ao artigo 61.º): “… para cálculo dos 6 meses, dos dois terços e dos cinco sextos da pena … o tribunal.. já deve considerar como tempo de cumprimento efectivo de pena o período de prisão preventiva ou de obrigação de permanência na habitação descontado na sentença condenatória…”(nota 5); “…pode acontecer que por força do desconto do período da privação cautelar da liberdade na pena de prisão, o condenado já se encontre formalmente em condições de beneficiar de liberdade condicional .Por exemplo , sendo o arguido condenado em 3 anos de prisão , mas já tendo siofrido 2 anos de prisão preventiva, ele já estaria em condições de beneficiar de liberdade condicional na data da condenação(nota 7). E também Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, vol. III, pág. 216 e Sandra Oliveira e Silva, A Liberdade Condicional no Direito Português, RFDUPI-2004, págs 373-375 e nota 56 (disponível na internet).
No mesmo sentido se pronunciaram os seguintes arestos: – Ac. da Rel. do Porto de 2-11-2011, rel. Moreira Ramos; – Ac. da Rel. do Porto de 25-3-2009, rel. Jorge Jacob; – Ac. da Rel. de Lisboa de 7-9-2009, rel. Carlos Almeida; – Ac. Rel. de Lisboa, 20-10-2009, rel. Carlos Espírito Santo; – Ac. da Rel. de Coimbra de 25-3-2009,  Jorge Gonçalves; – Ac. da Rel. de Coimbra 1-8-2007, rel. Freitas Vieira. E o único modo coerente para isso se dar cumprimento ao estatuído, é o de, encontrada a pena final, se proceder à contagem, dia a dia, de todo o tempo de privação de liberdade já sofrido, descontá-lo como tempo já cumprido naquela pena e, então sim, encontrar o remanescente para se acharem as datas exactas do meio da pena e dos 2/3 exigidos pelo artº 61º. Relativamente ao óbice suscitado pelo Ministério Público na 1ª instância, quanto à dificuldade de o TEP se ver confrontado com a situação de ter que avaliar a possibilidade de concessão de liberdade condicional logo no momento da entrada definitiva do condenado, responde-se no já acima citado acórdão da Relação de Coimbra, quando se diz que …a lei não contém qualquer menção expressa à necessidade de cumprimento contínuo da pena de prisão para efeitos de concessão de liberdade condicional. As parcelas relevantes para efeitos de concessão da liberdade condicional são apontadas por referência ao cumprimento da pena (cfr. arts. 61º, nºs 2, 3 e 4, do Código Penal) e é também por referência ao cumprimento da pena que o art. 80º, nº 1, do mesmo diploma, manda descontar por inteiro a detenção ou privação de liberdade decorrente de medida de coacção, o que não contraria, antes apoia, o entendimento de que aqueles períodos de privação de liberdade devem também ser levados em conta para o cômputo dos prazos de concessão de liberdade condicional».

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