São livros com histórias da História da vida, livros que contam o pequeno mundo que é afinal mais mundo, porque mais geral e mais vulgar, livros do anónimo porque não notado, invisível já que rapidamente esquecido universo da pequena Justiça, o Portugal dos Pequeninos crimes e das grandes lições de vida, da vida comum, da trivialidade corroída pelos curtos anseios e fartas carências, mais as insolências a par com a humildade, a miséria de se ter pouco que valha e desejar tanto de inútil.
Sacanas Com Lei são crónicas do jornalismo judiciário como existia no tempo das reportagens no Tribunal de Polícia que, quais folhetins, davam a cor local ao mundo citadino, mostrando-lhe os sombrios subterrâneos e seus vícios rapaces, as florinhas de rua e seus amores alugados, tudo transposto para os dias de hoje, mundo acossado pelo medo que cheira à noite nos ghettos e dormitórios, território da alucinação alcoólica e narcótica, terra de indeterminação e de vacuidade, povoada por gente que na hora da Justiça entra pela porta da longa espera e da escassa credibilidade.
Rosa Ramos e Sílvia Caneco viram o que havia para ver. E publicaram um livro que parece de histórias de ficção porque a irrealidade é apenas uma forma de o real se exprimir.
Todos os que julgam que a Justiça é a dos grandes casos devem ler este livro, a começar por quem dita leis a terminar nos que ouvem sentenças. Há nele a sabedoria da simplicidade e a ironia que é o modo de a amargura se rir de si mesma.
«Uma jornalista não quer ficar com dores crónicas na consciência», escreve-se numa das suas narrativas. Talvez por isso tenham escrito este livro, depois de uma longa e dorida paciência. Apresento-o, mais logo, pelas 16:00 no Tribunal de Pequena Instância, no até qualquer dia Campus de Justiça, o lugar onde tudo se passou.