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Presuntos implicados

Formei-me com base na ideia de que a presunção de inocência é uma garantia essencial de um sistema processual criminal justo, porque impede que seja tratado como sub-gente aquele cuja culpa não foi fixada por sentença, porque garante a igualdade entre todos os que vão a tribunal, mesmo acusados para apuramento de responsabilidades, porque faz com que seja o acusador a provar o crime pelo qual acusa e não o acusado a provar a sua inocência face àquilo de que o acusam.
Com a passagem dos anos tenho assistido à diminuição dos que acreditam neste valor. Um acórdão do STJ falava já, abrindo a porta a uma nova cultura autoritária, em “presunção sociológica de culpa”. E em meios tidos por influentes circula, entre a ironia e a ideia, o conceito de que a presumir-se qualquer coisa o arguido, sobretudo quando acusado, ademais quando pronunciado, indiscutivelmente quando condenado, deveria sê-lo sim, mas presuntivamente culpado.
Por um lado, porque o sistema, desconsiderando tantas vezes as vítimas de crimes, desguarnecendo-os de meios de acção e atribuindo-lhes, enquanto lesados, indemnizações ridículas, foi criando um fosso inaceitável entre os benefícios dos arguidos e as esmolas das vítimas, gerando o sentido da injusta desproporção. É o ressentimento dos muito pobres quanto à mediania dos que nem a ricos chegam.
A isto acrescem realidades chocantes como a banalização do estatuto de arguido – que só agora com a necessidade de o substanciar com a pré-existência de fortes indícios veio moderar – e a irrelevância do estatuto de arguido, cada vez menos infamante a ponto de já ser suspeito quem, andando na vida pública ou empresarial, nunca foi arguido de coisa alguma, fiscal que seja, já que o Direito Penal, qual polvo tentacular, espraia as suas ventosas por todo o tecido social, modo que o Estado desrespeitado julga ser o mais fácil de fazer respeitar tudo quanto lhe vem à cabeça.
No meio disto uma pessoa chega a interrogar-se sobre se, mudado o mundo, deverá mudar a nossa cabeça e sobretudo o nosso coração. 
Mas há algo que tenho como certo: que para fins estritamente processuais ser-se arguido só diminua segundo o limitadamente previsto na lei – face aos deveres e sujeições a que fica adstrito – compreende-se; agora que em termos cívicos a política se encarregue de ignorar completamente o caso, eis o que está em causa. 
Mais: ante esta notícia aqui, pergunto-me se os da política não quererão mesmo provocar, rebaixar, e afrontar o poder judicial.
É que se há coisa de que os da política não gozam é da presunção de serem inocentes, a ingenuidade perdem-na logo no primeiro acto, estuprados por este sistema de amoralidades úteis.
Ah! Como hemos cambiado!
Bom domingo, caros amigos.
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