Colectânea de artigos, este livro, coordenado por Norberto Martins, Procurador-Geral Regional, a operar no Porto, oferece uma perspectiva ampla da problemática subjacente a um dos temas mais actuais e controversos do Direito Processual Penal contemporâneo: o do denominado “confisco”, afinal uma figura compósita em que reúne a clássica perda de bens e a perde alargada. Fica aqui a primeira parte de um apontamento temático.
Está em causa, em muitos dos contributos para esta notável obra, o tema da natureza jurídica, criminal ou não, da figura em causa, forma de encontrar um conceito a partir do qual se encontra a sua legitimação, o seu próprio regime e a respectiva legitimação. E sobretudo o alargamento da mesma a casos em que não esteja em causa uma condenação penal.
José Ramos Duarte, analisa a história do confisco no antigo Direito Português, quer a lógica proibitiva emergente da legislação liberal vintista, a da Constituição republicana democrática de 1911 e da própria Lei Fundamental que consagrou, como modelo autoritário, o Estado Novo, em 1933. Do estudo denota-se que foi a Constituição de 1976, editada numa época revolucionária de expropriação dos meios de produção de combate ao que era apodado de crime de “sabotagem económica» quem baniu essa proibição confiscatória, viabilizando, pois, o instituto, que o Código Penal de 1982 permitiria e que viria a conhecer um amplo alargamento, através da Lei n.º 5/2002, que o Tribunal Constitucional viabilizaria e se vai espraiando com cada vez maior amplitude.
O artigo de António Vaz de Castro tem na sua base a resposta a duas perguntas, saber se tem natureza penal quer o confisco português dito “clássico”, quer o apodado de “moderno”. Analisando comparativamente ambos, e focando-se no confisco moderno, o autor acentua a «(falta de) transparência que tem servido as estratégias legiferantes», referindo as três modalidades modalidades em que o mesmo se apresenta no contexto jurídico internacional: (i) a perda alargada portuguesa, (ii) o civil forfeiture no Reino Unido e (iii) e confisca preventiva italiana.
Mário Ferreira Monte entra de pleno no controverso tema da qualificação jurídica do confisco que o artigo antecedente havia esboçado, o consistente em saber se o confisco é uma pena. Afasta a «sua acomodação nas tradicionais consequências jurídico-penais» como pena acessória, medida de segurança, efeito de pena, efeito do crime ou até da actividade criminosa para focar a sua natureza híbrida, convocando as implicações práticas do que seja a resposta à luz do já determinado jurisprudencialmente. E assim enuncia as propostas de consideração da figura em causa ou como «providência de natureza análoga à da medida de segurança», ou como tertium genus ou ainda como medida administrativa, civil, restauradora ou ordenadora com finalidade patrimonial ou medida não penal mas de perfil análogo a medida de segurança.
Perspectiva radical é a de Hélio Rigor Rodrigues, para quem, sob a análise das várias tipologias de confisco, conclui que o mesmo prossegue finalidades próprias, «que não se confundem com o fim das penas», sendo nessa diferenciação que o autor encontra a razão legitimadora da perda ampliada.
O contributo de Joana Amaral Rodrigues situa a instituto numa análise à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, convocando, com expectativa, o que estava à data sob decisão em matéria de «perda não baseada numa condenação» e as inovações decorrentes de uma recente proposta de Directiva relativa à recuperação e perda de bens apresentada pela Comissão Europeia em 2022.
Constatando a circunstância de a transposição para o ordenamento jurídico português da Directiva 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho não ter sido efectuada correctamente e haver «um vincado défice de recurso ao mecanismo do reenvio prejudicial em matéria criminal e processual penal», Júlio Barbosa e Silva, ensaia retirar daí os efeitos práticos, com sugestão quanto ao modo de actuação do mecanismo do reenvio prejudicial.
Situando o tema agora na óptica da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, Natacha Borges de Pinho rememora, ainda que perfunctoriamente, a mesma, para concluir no sentido da importância da definição dos critérios Engel quanto à admissibilidade dos recursos e pela necessidade da sua aplicação casuística, acentuando que na maioria das situações examinadas se tem concluído pela natureza não penal da situação.
Antero Taveira, estudando o regime penal da perda sem condenação, e os mecanismos processuais orientados à sua aplicação, confere tal regime como estando em sintonia com «a evolução que a nível comunitário nesta matéria se desenha».
[continua]