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Recurso da matéria de facto: a quadratura do círculo

É hoje por demais evidente que o critério jurisprudencial quanto a ter o recorrente criminal que impugne a matéria de facto cumprido o ónus estatuído no artigo 412º do Código de Processo Penal é muito restrito, ao limite desencorajando que se tente essa via de impugnação. Nisso a fórmula da lei legitima esse entendimento cerceador. Cito um exemplo.

O Acórdão da Relação de Coimbra de 12.07.2023 [proferido no processo 982/20.6PBFIG.C1, relator Luís Teixeira, texto integral aqui]estatuiu:

«I – O requisito da especificação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, constante da alínea b) do n.º 3 do artigo 412.º do C.P.P., só é observado se, para além da especificação das provas, o recorrente explicitar os motivos e em que termos essas provas indicadas impõem decisão diversa da decisão do tribunal, de modo a fundamentar e tornar convincente que tais provas impõem decisão diferente.

«II – Esta exigência corresponde, de algum modo, àquela que é exigida ao julgador para fundamentar os factos provados e não provados, porque do mesmo modo que o julgador tem o dever de fundamentar as decisões, também o recorrente tem que fundamentar o recurso».

Em abono da sua asserção, o aresto cita Paulo Pinto de Albuquerque, no comentário ao Código de Processo Penal e igualmente um Acórdão do  Supremo Tribunal de Justiça de 19 de maio de 2010, proferido no processo nº 696/05.7TAVCD.S1, segundo o qual «(…) não se pode deixar de ter presente que o legislador, quando se refere à especificação das provas, as restringe àquelas que imponham decisão diversa. A utilização do verbo impor, com o sentido de «obrigar a», não é anódina».

Estaria tudo muito certo se esta exaustiva especificação, e as demais que o mencionado artigo 412º exige, não tivesse de ser materializada nas conclusões do recurso que, por definição devem ser sintéticas, por serem um “resumo”.

É que compatibilizar nas conclusões de um recurso penal um resumo que as mesmas supõem com a necessária extensão inerente a os concretos pontos, de facto e as «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida» ou as «provas que devem ser renovadas», é uma verdadeira quadratura do círculo, um jogo de tentativa e erro em que normalmente se erra.

Cito o artigo 412º por comodidade de consulta:

1 – A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.
2 – Versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.
3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
5 – Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse.
6 – No caso previsto no n.º 4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.

 

 

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