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Erro notório: para leigo ou para juiz?

Funcionando como Tribunal de revista. isto é, orientado fundamentalmente ao conhecimento dos temas de recurso de natureza estritamente jurídica, o Supremo Tribunal de Justiça, está legalmente orientado a poder espraiar-se por uma revista dita alargada, isto é que, excepcionalmente três tópicos de relevo factual podem ser conhecidos: a insuficiência da matéria de facto provada para a decisão recorrida, a contradição insanável na fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova.

Tudo isto consta do artigo 410º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

De entre estes três territórios em que a factualidade pode ser admitida como tema dos recursos para aquele Supremo Tribunal tem sido o referido “erro notório” o que mais questões tem suscitados, porque, usualmente o recorrente contrapõe a apreciação que faz do que deveria ter sido dado como provado ou não aprovado e o critério que o tribunal recorrido usou para alcançar o seu veredicto.

E porque no entender da jurisprudência do Supremo, nisso coroando o entendimento das relações, essa contraposição assim formulada não pode ser aceite como razão para se recorrer, resta, como único caso de eventual viabilidade do recurso o caso em que o erro seja notório.

Ora aqui tem sido entendimento generalizado que o erro só é notório quando – simplifiquemos – até um leigo de apercebe do mesmo, isto é, um erro crasso, primário, contrário às mais elementares regras da experiência comum, direi insusceptível de ser pensado como praticado por juízes, ademais dos tribunais dos quais se recorre para o Supremo, ou seja, inexistente sempre porque inadmissível que possa existir. [veja-se, por exemplo, tal modo de entender, aqui]

É neste contexto que o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.09.2022 [5ª Secção proferido no processo n.º 2289/20.0S3LSB.S1; relator António Gama, texto integral] deve ser entendido porquanto estatui, estende a notoriedade do erro a circunstâncias de que apenas um juiz se possa aperceber e já não o comum cidadão:

«O erro notório é a falha grosseira percetível pelo juiz em concreto pressuposto pela ordem jurídica. Não se julga justificável a interpretação de tal erro como aquele de tal modo evidente que o homem médio deteta com facilidade. É que, pode ser «notório» apenas para o julgador com a especial formação e experiência de um juiz. É o caso do desrespeito das leges artis, v.g., violação do princípio in dubio pro reo. Este desrespeito e violação, comummente apontados como exemplo de erro notório na apreciação da prova, é detetado com facilidade pelo o juiz pressuposto pela ordem jurídica para julgar o recurso, o que já não acontece com o cidadão comum»

O aresto em causa fundamenta o seu entendimento no seguinte passo:

«§ 2. O erro notório é a falha grosseira percetível pelo juiz em concreto pressuposto pela ordem jurídica. Como disse Sousa Brito na declaração aposta no ac. TC 322/1993, não se julga justificável a interpretação de tal erro como aquele de tal modo evidente que o homem médio deteta com facilidade. É que, pode ser «notório» apenas para o julgador com a especial formação e experiência de um juiz… É o caso do desrespeito das leges artis, v.g., violação do princípio in dubio pro reo. Este desrespeito e violação, comummente apontados como exemplo de erro notório na apreciação da prova, é detetado com facilidade pelo o juiz pressuposto pela ordem jurídica para julgar o recurso, o que já não acontece com o cidadão comum.»

Tal entendimento já o havia expresso o referido relator do acórdão do STJ, numa outra sua decisão, proferida a 23 de Junho do corrente ano, embora aí o nome de Sousa Brito não surja expresso, antes assim grafado por manifesto lapso: «O erro notório é a falha grosseira percetível pelo juiz em concreto pressuposto pela ordem jurídica. Como disse FFFF na declaração aposta no ac. TC 322/1993, não se julga justificável a interpretação de tal erro como aquele de tal modo evidente que o homem médio deteta com facilidade.»

 

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