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Revisão civil e criminal: descubra as diferenças

É conhecido o critério restritivo do Supremo Tribunal de Justiça quanto ao recurso extraordinário de revisão. A defesa da autoridade do caso julgado, a juntar-se à ideia de que, com a sua quebra, há algo na segurança  imanente à tutela jurisdicional que fica em causa, orientam o que tem sido o resultado, nomeadamente quanto à relevância dos factos novos e dos novos meios de prova, o qual é, por regra, um dos principais argumentos para se tentar a revogação do anteriormente decidido.

No que se refere ao relevo da falsidade de um depoimento, a questão tem sido essa e uma outra.

Um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Setembro do corrente [proferido no processo 611/17.5T8MTS-B.P1.S1, relator Júlio Gomes, texto integral aqui], tirado em matéria cível, coloca este tópico sobre o qual vale a pena detalhar a reflexão, ao ter decidido, como consta do respectivo sumário:

«A admissibilidade de um recurso de revisão fundado na falsidade de um depoimento não exige que tal falsidade tenha sido previamente reconhecida por sentença transitada em julgado nem tão pouco que esse depoimento tenha sido a causa exclusiva da decisão do Tribunal.»

Ante ele, vários são os temas que se suscitam.

Logo o primeiro, ocorre ao colocar-se em comparação os fundamentos do recurso de revisão, tal como admitidos no Direito Processual Penal e no Direito Processual Civil, pois são diferentes.

Estatui quanto à revisão penal o artigo 449º do CPP, segundo o qual:

«1 – A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;
b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;
c) Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 126.º;
f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;
g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.
«2 – Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.
«3 – Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.
«4 – A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.»

Determina o artigo 696º do CPC no que se refere à revisão em processo civil:

«A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
a) Outra sentença transitada em julgado tenha dado como provado que a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções;
b) Se verifique a falsidade de documento ou ato judicial, de depoimento ou das declarações de peritos ou árbitros, que possam, em qualquer dos casos, ter determinado a decisão a rever, não tendo a matéria sido objeto de discussão no processo em que foi proferida;
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida;
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou;
e) Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que:
i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita;
ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável;
iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior;
f) Seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português;
g) O litígio assente sobre ato simulado das partes e o tribunal não tenha feito uso do poder que lhe confere o artigo 612.º, por se não ter apercebido da fraude.
h) Seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.

O segundo – e é esse que aqui trago – é comum às duas situações: assentando a decisão revivenda na falsidade de um documento, esta pode ser valorada independentemente de haver sentença judicial que a decreta? O aresto citado, interpretando e aplicando a alínea b) do artigo 696º citado vai no sentido positivo em matéria de processo civil. Em sede criminal não existe previsão idêntica, porquanto o único preceito que admite a revisão por reconsideração probatória sem a apoiar em sentença transitada em julgado é a referida alínea d) do n.º 1 do artigo 449º, de conteúdo entre o genérico e o vago.

Faz sentido a diferenciação entre o regime civil e o criminal? Não consigo convencer-me de que faça.

Mesmo no plano civil, se a solução do aresto mencionado tem na letra da lei o seu fundamento [pois só a alínea a) do artigo 696º exige a prévia sentença transitada], facto é também que, mesmo no domínio processual civil, a jurisprudência não alinha sempre pelo mesmo critério, como o próprio acórdão o reconhece, nestes excertos que nos permitimos citar:

«Existe na jurisprudência deste Tribunal uma divergência entre Acórdãos em que se decidiu que apesar da mudança da letra da lei ocorrida em 2003 “só a alegação da existência da falsidade de depoimentos devidamente atestada por uma decisão transitada em julgado (…) poderá constituir fundamento para um recurso extraordinário de revisão” (Acórdão de 14/07/2016, processo n.º 241/10.TVLSB.L1-A.S1, em que foi Relatora a Conselheira ANA PAULA BOULAROT, e em que o Relator nos presentes autos foi Adjunto) e em que se decidiu que não era necessária “uma sentença transitada em julgado para atestar a alegação da existência dessa falsidade” (Acórdão de 13/12/2017, processo n.º 2178/04.5TVLSB-E.L1.S1, Relator Conselheiro ALEXANDRE DOS REIS). Afigura-se-nos que as razões excecionais de justiça material que subjazem a este recurso e a sua teleologia depõem para que deva prevalecer este segundo entendimento.

[…]

Mas como este Tribunal já decidiu, em Acórdão de 07/10/2020, proferido no processo n.º 2262/16.2T8PNF.P1.S1 (Relatora Conselheira Graça Trigo), “não é de exigir que a falsidade do meio probatório em crise tenha sido a causa exclusiva da decisão, bastando que tenha, de acordo com a teoria da causalidade adequada comummente aceite pela doutrina e pela jurisprudência nacionais, sido uma das causas da mesma decisão”. E como nesse mesmo Acórdão se afirma “apurar se, excluído o depoimento falso, a decisão de facto se manterá ou não, é o objetivo da “fase rescisória” do recurso extraordinário de revisão e não da presente “fase rescidente” na qual apenas cabe proceder à apreciação da verificação do fundamento invocado para o recurso”.

Não se exige, por conseguinte, que o depoimento falso tenha sido causa exclusiva da decisão, podendo tratar-se de uma concausa.»

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