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Magistrados e comentadores: uma questão

Vai já no quarto volume o Comentário Judiciário ao Código de Processo Penal, obra absolutamente indispensável, até em função de quem são os comentadores.

O estilo da escrita é fluente, sem a opacidade que é amiúde emprestada por certas correntes da reflexão jurídica, e o apoio jurisprudencial e teórico que fundamentam as interpretações ali vertidas é selectivo o que tem, pelo menos, a vantagem de aligeirar a leitura, poupando a sua percepção ao excesso de erudição.

Sobressai, assim, a opinião de quem comenta e é aqui que tem oportunidade de se colocar este tema: quando um magistrado em efectividade de funções verte, em escrito público, a sua opinião jurídica – e isso tem sucedido amiúde, até por via de formações académicas com que muitos estão a enriquecer os seus currículos e da literatura jurídica que têm firmado – declarando um certo sentido interpretativo da lei, não estará a minimizar a liberdade de, no caso que lhe vier a ser colocado no âmbito do seu múnus profissional, decidir, em função de uma outra perspectiva que, entretanto, se mostre mais convincente, diversa daquela com a qual já se comprometeu?

Ou, colocando o assunto de modo mais exasperante, não estará esse magistrado a divulgar assim um a priori de decisão, quando tal não deveria existir, pois deveria ser ser inerente à sua condição profissional uma neutralidade jurídica que apenas poderia decair no momento em que tivesse de decidir, revelando então, no caso, o seu pensar jurídico em termos de o ajustar ao seu sentir do que é justo?

Não vale isto como reparo à obra, nem ao prestígio dos comentadores ou à sua isenção como profissional, pois são do meu ponto de vista, absolutamente inquestionáveis; vale, sim, como forma de eu exprimir o que para mim é dúvida e, suponho, outros colocarão como interrogação.

Claro que o mesmo se dirá quando o magistrado exprimiu o seu pensamento jurídico em decisão anterior que foi entretanto publicada e que, não valendo embora, entre nós o sistema do precedente, faz antecipar o que o mesmo decidirá em caso idêntico. E há quem pesquise jurisprudência pelo critério de saber o que decidiu aquele específico decisor em decisão que possa ser análoga àquela sobre a qual se pretende uma decisão.

Só que ainda há uma diferença entre o decidir casuístico, que revela um possível critério, e o pensar genérico e abstracto, que o consigna como critério seguramente antecipável, sob pena de contradição.

E, permitam-me este exemplo de vida, pois já passei pela incómoda situação de me ser negada razão num processo, em que intervinha como advogado, através da citação do que eu escrevera, há uns anos, sobre a questão legal subjacente, num estudo sobre esse mesmo tema. A citação do que eu escrevera vinha, aliás, truncada do contexto: mas como não havia resposta ao decidido, o assunto ficou por aí a ironia amarga inerente ao feito, já ido, só hoje emergiu como tema.

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