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O novo paradigma da advocacia em prática individual

Eis algumas tópicos do que tive a oportunidade de partilhar e reter pela minha intervenção e participação no debate, na passada sexta-feira, nas Caldas da Rainha, no evento organizado pelo Instituto dos Advogados em Prática Individual sobre “O Novo Paradigma do Exercício da Advocacia”, como anunciei aqui:

a advocacia em prática individual, por imprópria que seja a designação, é distinta da advocacia concebida como indústria, servida por estruturas societárias com lógica empresarial, estas orientadas à geração de horas facturáveis e com compressão da independência e autonomia técnica dos advogados que integram a cadeia hierárquica que são inerentes à sua estruturação

a advocacia em prática individual é a maioritária do país e se, por isso, tem expectativa de sobrevivência, terá, porém, de se reorganizar para que sobreviva face à tendência do mercado

a própria advocacia societária de matriz industrial, ante os desenvolvimentos da regulação da concorrência, em breve terá de enfrentar a perda dos actos até aqui tidos por próprios da advocacia a favor de outras entidades que actuam no mercado, como os consultores, os economistas, técnicos oficiais de contas e solicitadores, restando-lhes o contencioso como fonte certa, não só da sua caracterização como sociedades advocatícias, este sob a pressão de ter de ser fonte incrementada de geração de honorários

este contexto leva esse modo de advogar a procurar áreas de clientela, na área do contencioso, que até aqui eram o campo de trabalho dos advogados em prática não societária industrial com alteração relevante da distribuição do trabalho disponível

a actualização permanente, em termos de actualização de conhecimentos, é assim indispensável nisso incluindo o domínio das possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias, de modo a gerar mais proveitos com menos dispêndio, ou seja, a rentabilização do trabalho e sua articulação com um trem de vida equilibrado e saudável

o contributo dos meios resultantes da inteligência artificial, nomeadamente a nível da pesquisa e ordenação de informação e nomeadamente de dados em suporte digital, como sucede actualmente nomeadamente ante os mega-processos, e também da previsão da contingência dos casos, face às tendências da jurisprudência, só não estarão ao alcance desse modo de exercer advocacia em prática não societária, em função do oneroso custo do respectivo software, o que pode ser ultrapassado pela partilha desses meios ou pela aquisição de tempo de processamento necessário para cada tarefa profissional

a estruturação, em lógica de consórcio, o que a lei não proíbe e, pelo seu carácter temporário, é distinto de uma sociedade de advocacia, é a arquitectura jurídica que permitirá alocar equipas coordenadas de advogados em prática individual para poderem enfrentar casos, cuja complexidade, duração ou extensão, exijam tempo de intervenção e qualidade de prestação impossíveis de alcançar por um só advogado

o tema controverso da sociedades interdisciplinares, que consta de projecto de lei, já aprovado na generalidade na Assembleia da República sobre as ordens profissionais, exige uma ponderação específica no que se refere à Ordem dos Advogados, por ser ingente defender, no que à advocacia respeita, o segredo profissional, o qual tem especificidades quanto a esta profissão, que a outras se não colocam, além de que algumas, tendenciais associadas na lógica da interdisciplinaridade, estão inclusivamente adstritas a dever de reporte para além do exigível em matéria de branqueamento de capitais, o que inexiste quanto aos advogados

a tutela do segredo profissional, essência da advocacia, está mais defendido numa estrutura em que o seu exercício ocorra em prática individual do que ante as circunstâncias da prática societária, dada a existência nesta, como decorrência do seu processo normal de funcionamento, de redes de intercâmbio e partilha de tarefas, e, numa outra vertente, em face da mobilidade dos seus sócios e associados para outras estruturas societárias que possam, ao limite, assegurar a representação e asseguração a assistência profissional a pessoas e entidades cujos interesses sejam conflituantes com os do cliente cujo advogado orientou para aí o seu percurso profissional

o uso de meios tecnológicos já hoje convencionais, como as comunicações electrónicas, o funcionamento remoto, o arquivo virtual de documentos e informação, colocam problemas de risco para a segurança dos dados e também para o segredo profissional, o que, ante a evolução para as nova realidade do “metaverso” e da tecnologia do “blockchain” se agravam em complexidade e exigem meios de defesa tecnológica e uma cultura de responsabilidade

os meios de inteligência artificial estão já em uso do ponto de vista da investigação criminal, com toda a panóplia de métodos intrusivos, nomeadamente do segredo profissional, risco que ocorre não havendo partição entre a informação de advogado e a do cliente e, por acréscimo, quando o escritório advocacia acolhe como sede estruturas societárias comerciais de clientes, cujos dados sejam alvos de busca e apreensão e não possam distinguir-se no imediato dos que se referem à advocacia propriamente dita

a regulamentação sobre branqueamento de capitais visa proteger esta problemática, ao prever desde logo a segregação entre esses dados diferenciados

importa ressaltar que, se não existisse o regulamento em vigor na Ordem dos Advogados, respeitante ao branqueamento de capitais, estariam os advogados sujeitos à literalidade da lei, segundo a qual, em detrimento do espírito da Directiva que transpôs para o ordenamento interno,  o Bastonário, ante um relato de operação suspeita, por parte de um advogado, teria de proceder ao seu encaminhamento imediatamente e “sem filtragem” para o DCIAP, sem considerar a valia do segredo de profissional, ponderação que, ante o regulamento, se tornou claro terá de ser por ele efectivada, de modo a salvaguardar este

enfim, há um mundo novo em rápida emergência, até no que se refere à alteração dos princípios básicos em que assentam as estruturas jurídicas e que se irá projectar no modo de exercer advocacia, modificando o radical do seu paradigma

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