Se me pedissem para resumir, em estilo de balanço, a evolução prática do crime de fraude fiscal eu diria, em síntese que:
» o sistema actual, consagrado pela Lei n.º 15/2001, de 15 de Junho [ver aqui], privilegia a pena de prisão em detrimento da de multa, esta, considerada, porém, como alternativa para as pessoas singulares e pena única principal para as entidades colectivas, como o estatui por esta forma o artigo 12º do referido normativo legal:
«1 – As penas principais aplicáveis aos crimes tributários cometidos por pessoas singulares são a prisão até oito anos ou a multa de 10 até 600 dias.
«2 – Aos crimes tributários cometidos por pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas é aplicável a pena de multa de 20 até 1920 dias.
«3 – Sem prejuízo dos limites estabelecidos no número anterior e salvo disposição em contrário, os limites mínimo e máximo das penas de multa previstas nos diferentes tipos legais de crimes são elevados para o dobro sempre que sejam aplicadas a uma pessoa colectiva, sociedade, ainda que irregularmente constituída, ou outra entidade fiscalmente equiparada»
-» não era assim no domínio da lei antecedente, 20-A/90, de 15 de Janeiro [ver aqui], em que expressamente se afirmava: «a criminalização não implica, necessariamente, a adopção pura e simples da pena de prisão como sanção primacialmente adequada às exigências de reprovação e prevenção dos crimes. Ponderados os interesses em confronto, optou-se tão-só pela previsão de penas de multa, sem prejuízo da aplicação, em alternativa, de pena privativa da liberdade, em caso de não pagamento daquela»
-» sucede, porém, que, na prática, a prisão efectiva é residual, porque a opção tem sido no sentido de, se optar pelo mecanismo da suspensão provisória sob injunção do pagamento de uma soma, recorrendo-se, pois, ao meio processual, em vez do substantivo, como forma de se alcançar o desiderato prático do tema
-» tudo isto decorre da conceitualização do incumprimento tributário como fonte de prejuízo ao Estado, não estando, assim, em causa, um imposto em falta, antes se abrindo a possibilidade de, no cômputo da referida soma, se integrar, como valor da injunção, impostos relativamente aos quais a Administração Tributária vira já caducar o direito à respectiva cobrança
-» tornou-se, pois, o Ministério Público e mormente o DCIAP, entidade de cobrança coerciva do imposto, por via criminal, sem prejuízo de ajustamento subsequente pela Autoridade Tributária, do tributo remanescente que não tivesse ficado incluído na soma que integrava a injunção em nome da qual a suspensão provisória fora decretada.
Vem isto a propósito de uma tese de mestrado que não incide, sobre este ângulo, antes sobre a caracterização dos elementos típicos do crime e respectiva punição.
O seu autor, Rui Correia Marques, é actualmente Procurador Europeu Delegado na recém-criada Procuradoria Europeia, tendo exercido anteriormente funções como Procurador Coordenador da Secção de Investigação e Prevenção da Criminalidade Tributária no DCIAP.
Os 30 anos que se refere no título, convertem-se, com mais rigor, nos «pouco mais de 30 anos», como se refere na introdução ao breve estudo, porque o termo inicial da contagem tem de se aferir ao mencionado ano de 1990.
Terminando com “conclusões”, o que desde logo permite ao leitor a síntese do pensamento do seu autor, permitimo-nos sumariá-las assim:
-» o crime de fraude fiscal como tipificação da violação do dever declarativo pelo contribuinte ou por terceiro adstrito ao mesmo
-» a fraude fiscal como crime específico próprio, com possibilidade de responsabilização de terceiros, nos termos do artigo 28º, n.º 6 do RGIT
-» a não tipicidade do dano para a realização do crime
-» natureza dolosa da infracção, abrangendo todas as modalidades do dolo previstas no artigo 14º do Código Penal, incluindo, pois, o directo, o necessário e o eventual
-» explicitação dos conceitos típicos de liquidação, pagamento e entrega, prestação tributária, benefício fiscal, reembolso e outras vantagens patrimoniais
-» a fraude fiscal como crime de execução vinculada, conforme o artigo 103º, n.º 1 do RGIT
-» a comissão do crime por omissão
-» o segmento final da alínea a) do n.º 1 do artigo 103º do RGIT e a circunstância de o segmento “especificamente” não integrar ima condição objectiva de punibilidade
-» a não coincidência do conceito civil de simulação com o de fraude fiscal, não sendo aplicável a norma de extensão prevista no artigo 295º do Código Civil
-» integrar a cláusula de valor patrimonial, prevista no artigo 103º, n.º 2 um elemento do tipo incriminador e não uma condição objectiva de punibilidade
-» a declaração fiscal devida como forma de permitir o alcance do caso julgado e salvaguardar o efeito do non bis in idem
-» natureza complexa do bem jurídico tutelado pelo crime de fraude fiscal, o qual directamente protege a transparência fiscal e as receitas tributárias
-» a irrelevância da declaração fiscal [subsequente] face à consumação prévia do crime
-» o momento do recebimento da declaração fiscal defraudada como sendo o da consumação do crime, com a excepção do previsto no artigo 103º, n.º 1, a), parte final, em que a consuma ocorre quando o auto de declarações é assinado e encerrado e sem prejuízo de, no caso de ser cometido por omissão, o crime se consuma no termo do prazo para o cumprimento da obrigação declarativa
-» apenas a fraude fiscal qualificada permite a punibilidade da tentativa.