Há uma semana ficou aqui um roteiro para os espaços virtuais onde arquivo o que são as minhas deambulações fora do território da profissão. Acreditem que não é fácil ser habitado por uma tal tranquilidade. Pior: ter de a conjugar com os pesados encargos profissionais, em que estão em causa responsabilidades que, se incumpridas, lesam pessoas concretas que as confiaram.
Tento, a meu modo, encontrar um ponto de equilíbrio entre o que esses distintos e, creio, não conflituantes, vectores da vida exigem de mim: é uma liberdade feita de servidões.
Nessa publicação anterior ficou o que tem a ver com a Literatura, desde as notas ocasionais sobre o que leio, num blog a que chamei A Fantástica Livraria, às escritoras e escritores a quem dedico um espaço próprio: Afonso Lopes Vieira, Luiz Augusto Rebelo da Silva, Maria Ondina Braga, Clarice Lispector, Irene Lisboa.
Esta semana ficará aqui registo sobre outras viagens, algumas a subterrâneos meus, essa mescla sincrética de pensamento e sentimentos em que tento encontrar-me no que possa ser realmente característica e não apenas circunstância acidental.
Logo um primeiro, que terá, espero, ainda oportunidade este Domingo de ver acrescentada alguma escrita, é o blog Geometria do Abismo [ver aqui], designação que fui buscar ao Livro do Desassossego de Fernando Pessoa. Começou em 2005 e como o nome diz, dedicado precisamente à geometria. Fui esta manhã reencontrar, por exemplo, este disso exemplar post, publicado a 28 de Agosto desse ano, a que chamei O Icoságono:
«A coincidência dos extremos é o que define o polígono. Claro que frequentemente ele é multi-facetado, sendo cada vez maiores os seus ângulos internos. Tomemos o icoságono, o polígono de vinte lados. Surpreende-nos pelo seu variado exterior, mas uma vez mais, os extremos das linhas poligonais coincidem, como se afinal, numa circunferência. É por isso que a todos eles, por mais irregulares que sejam esses polígonos, se aplica sempre o teorema pelo qual a soma dos seus ângulos externos é igual a quatro rectos. Tal como na circunferência, afinal, uma vez mais, ali estão os trezentos e sessenta graus, a unidade de medida do sistema hexadecimal.»
Mas cedo o que era pensamento à solta sobre geometria deu num local habitado pela denominada “Filosofia Portuguesa”, esse meu foco de interesse em que me cruzo também na área jurídica, nomes honrosos como António Braz Teixeira e Paulo Ferreira da Cunha. É aqui que encontro, agora que escrevo estas linhas, entre outras, a notícia sobre a apresentação feita por Paulo Samuel de um livro que editei – e ser editor foi uma das minhas aventuras – com o epistolário entre dois notáveis expoentes dessa corrente do pensamento nacional, António Telmo e António Quadros [ver aqui]. Na altura eu tinha um espaço na Rua de Cedofeita, no Porto, onde tentava juntar profissão e edição. Esse tempo foi.
Mais íntimo, é o que escrevo, atrevo-me a dizer, sobre o angustiante tema da transcendência, num blog denominado O Culto do Oculto [está aqui] e que se anuncia sob este lema: «Para além do que há, existe o que é. Quem vê não sente e quem não sente não sabe. O cognoscível sem o mistério é apenas a evidência. A exaltação da alma é a festa do ser. A alegria do corpo comemora apenas o vibrante fibrilhar do Amor, a epifania do mundo humano sacralizado sem sagração.»
O último post que publiquei, não tanto assim atípico face ao que é a intenção que ali sobrevive, foi sobre um livro de Michel Houellebeck e a sua intersecção com o pensamento de Arthur Schopenhauer. Talvez por esse escrito não se apreenda o propósito que me leva a confiar ali momentos como este aqui:
Em alguns, surge da agonia de o ser humano não se querer sentir só, sobretudo quando não se entende existencialmente com os demais neste mundo; em outros, da necessidade racional de encontrar explicação à explicação última, a fonte do motu continuum deste devir, em que supomos haja no espaço um tempo não circular: em poucos, é arroubo anímico de amor unitivo, consolo do ser e força para prosseguir. […]
Mas o português, porque é vivencialmente pagão, venera deuses particulares e comporta-se como um danado, dita a sua própria queda, cede às constantes tentações do Maligno e culpa ocultos sortilégios da sina do seu penar contemporâneo».
Enfim por hoje, fica A Reciclagem do Ser, local dedicado à vida à morte e à vida, precisamente nesse ciclo permanente que, qual helicoidal escavadora, vai do infinito do nada ao infinito do nada, tudo transformando numa revoltante lei de Lavoisier, e ante o que somos apenas um poalha errática no cosmos. O sítio está aqui.
«No prefácio que escreveu às «Cartas» de Manuel Laranjeira, editadas pela Portugália em 1942, sob a coordenação de Ramiro Mourão, Miguel de Unamuno deixou este testemunho impressionante que redigira em 1913: «Le mató la vida. Y al matarse, dió vida a la muerte». Neste modo dizer está resumida uma biografia, daquele em cujo amarfanhado corpo, e tal como no de Antero de Quental, «la cabeza y el corazón riñeron recia batalla».
Como notará o leitor que usar o seu tempo para o visitar, tudo está ali inerte desde Março de 2015. O último texto que publiquei, sob o título “O Corpo e a Alma” [ver aqui], dediquei-o a José Régio e ficou assim:
«É, na sua formulação literária, a melhor expressão da dualidade corpo/alma, a precariedade daquele. Leio-a no comovido texto de Álvaro Ribeiro sobre a morte de “José Régio”, escrito a 14 de Maio de 1970: «Exactamente porque o seu corpo já era velho, débil e frágil, estava em perigo de ser separado da sua alma, forte, nobre e superior».