Ao Domingo há quem arrume a casa. É o que tenho estado a fazer, no caso, a tentar reorganizar os vários espaços virtuais por onde fui organizando os vários segmentos da vida que me tem sido dado viver. Houve que um dia perguntasse o porquê da multiplicidade. Penso que ao visitar esses locais se encontra um princípio de resposta: não me resumo à profissão e tenho um sentido diversificado de curiosidade, somado ao desejo indisfarçado de partilhar. Como escrevi por aí «não que exija leitores, mas qual preso numa cela solitária, reclamo apenas papel para escrever.»
Hoje, por ser Domingo, dia também de passear o espírito, fica aqui o itinerário.
Um dos maiores empenhamentos, tardio embora, depois de ter sido precoce – mas a vida cria espaços de vazio e de ermamento anímico – é a Literatura.
Antes de ter encontrado um local para o qual convergiram essas notas de leitura, deambulei sem rumo e como quem se alberga em quartos de aluguer, mas num dia de ânsia de sistematizar, ficou tudo aqui, num espaço meu, a que chamei A Fantástica Livraria. Surgiu em 2005. Não está tudo o que li, e há omissões grosseiras, mas por lá fica muito do que leio ou estou ainda a ler.
Há em mim um sentido de urgência em dar conta do que me entusiasma, para que outros se entusiasmem.
O blog importou 376 mensagens de um outro blog, nascido naquele mesmo ano, a que chamei – usando um nome literário de que em tempos me socorri, parte afinal do meu próprio nome, António Rebelo da Silva [e que se encontra aqui].
Depois daquele local, por onde está um pouco de tudo, fui-me desdobrando em gavetas particulares, sobretudo quanto àqueles escritores, e maioritariamente escritoras, que me vincaram a sensibilidade.
Abri assim um local para Afonso Lopes Vieira [está aqui], fruto de uma circunstância que me fez residir em São Pedro Moel, local mágico a partir do qual geri, com distância geográfica mas proximidade pessoal, a minha vida profissional, a Casa Nau ali ao lado. Um a um, fui reunindo a sua livraria, lidas as primeiras obras na Biblioteca Pública Municipal de Leiria.
Depois, surgiu o sentido amoroso por três mulheres escritoras, a cuja obra retorno tanto quanto posso.
Maria Ondina Braga, primeiro, «escritora do mundo calado da tristeza e da solidão» [está aqui, criado em 2005 essa morada que construí para que estivesse], a quem dedico uma verdadeira devoção, tendo comigo, achadas em alfarrabistas – e agora, enfim, em reedição, os seus livros, incluindo, por gentileza, os seus versos primeiros.
Nunca em segundo lugar, pois não há numeração ordinal nas minhas preferências, Clarice Lispector e sua irmão Elisa Lispector, no blog que abriu portas em 2007 [ver aqui] e no qual a 10 de Dezembro de 2020, a propósito dos cem anos do nascimento da primeira, escrevi: «Clarice faria hoje cem anos. No fluir da vida, isso não conta. A vida renasce quando se pensa na vida. Gostaria de poder ir ao encontro da sua obra, lê-la percorrendo a sua difícil escrita. Olhando para este espaço que lhe dediquei vejo quão irregular é amor que lhe dedico.»
E, enfim, Irene Lisboa. O seu espaço [está aqui] surgiu num Domingo, a 1 de Julho de 2007, e onde deixei esta notícia de abertura: «a cada uma das paixões um blog, onde escrevo o que bem poderiam ser cartas de amor. Amor literário, mas amor em qualquer caso, aquela devoção de leitor apaixonado. De há muito que fui reunindo, um a um, os livros da Irene Lisboa. Alguns já em alfarrabista, em mau estado, daqueles que se não encontram. Hoje, ao ler «Esta Cidade», um livro que ela escreveu em 1942, decidi-me a reservar-lhe este espaço. Irene do Céu Vieira Lisboa nasceu em 1892, faleceu em 1958. Usou o tempo de vida, a trabalhar como professora e a escrever sob o seu nome, como Manuel Soares, João Falco e Maria Moira uma obra hoje quase esquecida.»
Muito incipiente, nascido em 2019 e ficando a esmo nesse mesmo ano, foi o local que dediquei ao escritor Luiz Augusto Rebelo da Silva [ver aqui]. A ideia nasceu só porque, como disse, Rebelo da Silva é o meu apelido da família materna, não porque tenha informação de que ele seja ascendente dessa família. Sei, sim, que morreu com pouco mais de cinquenta anos, cinquenta e mais livros depois. Uma intranquilidade fazedora.
Há mais, bastante mais, respeitante ao que escrevo e ao que tento pensar. Um outro dia voltarei ao tema. Ao Domingo, quando se arruma a casa dá a vontade preguiçosa de fazer coisa nenhuma. É essa a riqueza polimórfica da vida.