Estabelece o artigo 157º, n.º 6 do Código de Processo Civil: «Os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes.»
O Código de Processo Penal não tem norma idêntica. Mas nada parece obstar a que nesta matéria exista lacuna neste diploma, a regular, por força do artigo 4º deste CPP, através de remissão para aquele preceito do CPC, por não haver impedimento decorrente dos princípios gerais do processo penal.
Foi no entanto necessário haver despacho proferido após reclamação para que um arguido preso, o qaul foi notificado pessoalmente de que o prazo para a interposição de um recurso penal se contava a partir dessa notificação, pois estivera ausente à leitura da sentença.
Eis o resultou de despacho da Vice-Presidente do Tribunal da Relação do Porto [Maria Dolores da Silva e Sousa, proferido no processo n.º 148/20.5PDPRT-A.P1, texto integral aqui].
Isto sucedeu porque, face ao teor do n.º 3 do artigo 373º do CPP, «o arguido que não estiver presente considera-se notificado da sentença depois de esta ter sido lida perante o defensor nomeado ou constituído». E, por outro lado, por efeito da alínea b) do n.º 1 do artigo 411º do mesma diploma: «Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria».
E desta forma, não fosse a questão do erro da Secretaria, um recurso interpostos mais do que trinta dias após o referido depósito da sentença recorrida, seria extemporâneo.
Ora, no caso, a notificação efectivada aludia a que o prazo para o recurso se contava a partir do momento da notificação da sentença, efectuada esta no Estabelecimento Prisional onde o recorrente se encontrava.
Deste modo haveria que fazer prevalecer o estatuído naquele n.º 6 do artigo 157º do CPC, acima citado.
Há aqui, independente desta particularidade – o aludido lapso da Secretaria – uma questão de fundo:
-» a lei exige que certos actos processuais sejam notificados pessoalmente aos interessados, neste caso, a sentença [artigo 113º, n.º 10, segundo o qual « As notificações do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respetivo defensor ou advogado, ressalvando-se as notificações respeitantes à acusação, à decisão instrutória, à contestação, à designação de dia para julgamento e à sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e à dedução do pedido de indemnização civil, as quais, porém, devem igualmente ser notificadas ao advogado ou defensor nomeado, sendo que, neste caso, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar»
-» a razão de ser dessa exigência, em que se cumula a notificação ao mandatário ou defensor com a comunicação obrigatória ao interessado, reside, creio eu, na gravidade da situação subjacente, a supor que este tenha de estar pessoalmente informado do assunto comunicado para que possa usar dos meios de acção que a lei lhe faculta
-» ora, no caso de sentença [e afinal em todos aqueles enunciados no n.º 10 referido em que se trate de decisões passíveis de recurso] considerar que a notificação relevante é a do depósito da mesma [a que o condenado, ademais preso, não tem acesso, mas apenas o mandatário] significa recusar-lhe a garantia fundamental em nome da qual aquele preceito delineado
-» há pois, em matéria de sentenças proferidas contra arguidos não presentes no acto da leitura, contradição por um lado, entre o estatuído no artigo 113º, n.º 10 [na parte em que exige a notificação pessoal] e o artigo 373º, n. º3 [na parte em que o excepciona ao formular uma presunção de notificação pessoa] e por outro, entre o determinado em ambos e o que decorre do artigo 411º, n.º 1, b) [quando faz contar o prazo para o recurso não da notificação feita em audiência – presuntivamente ao arguido – e também não da notificação pessoal que lhe venha a ser feita, outrossim do momento, em regra subsequente ou contíguo à leitura do sentenciado].
Suponho que, ao limite, estará em causa o direito ao recurso, que, numa matéria grave como é uma condenação penal, é assim limitado de forma desproporcionada, em uma das suas componentes essenciais, o direito a recorrer por decisão pessoal do condenado após conhecimento pelo próprio do acto processual condenatório.
A ilusão da notificação presuntiva, não conforta, logo por fazer recair sobre o mandatário/defensor o ónus profissional de imediata comunicação ao condenado [o que, estando este privado da liberdade, nem sempre se se afigura de possível execução imediata], explicar-lhe o teor do decidido [o que, ante casos de sentenças extensas e complexas nem sempre se afigura fácil, descontando mesmo as condições dos “parlatórios” prisionais] e obter dele uma anuência consciente [sublinho, consciente] quanto à decisão de recorrer.
A ausência do arguido à leitura da sentença é cómoda, eu pressinto, para a gestão da frota de transportes dos serviços prisionais, é ilusoriamente cómoda para os reclusos, que são poupados a uma viagem tantas vezes penosa devido às condições em que é operada, é cómoda para o tribunal, que assim, antes das audiências marcadas, procede, sem mais delongas, “às leituras”. Vendo agora do ângulo do direito a recorrer, da contagem do prazo para recorrer, a fantasia jurídica da presunção de notificação pessoal da sentença ao arguido ausente, será justiça?
Felizmente no caso, a Secretaria errou. E o prazo perdido foi repristinado.
Claro que o Tribunal Constitucional, logo por acórdãos de 2008 e 2010, já viabilizou a constitucionalidade da conjunção normativa formada por aqueles artigos 113, n.º 10 [à data n.º 9] e 411º, n.º 1, alíneas a) e b) do CPP, mas infelizmente aquele Tribunal tem sido progressivamente mais restritivo no que se refere ao seu entendimento quanto ao que sejam direitos e garantias constitucionais.