A Lei n.º 14/22, de 25 de Maio alterou o Código de Processo Penal de Angola, o qual havia sido aprovado pela Lei n.º 39/20, de 11 de Novembro.
A alteração incide sobre os artigos 55.º, 127.º, 250.º, 254.º, 286.º, 308.º, 313.º, 315.º, 334.º, 336.º, 338.º, 341.º, 345.º, 355.º, 357.º, 382.º, 385.º, 424.º, 447.º, 454.º e 475.º. Oportunamente comentaremos estas inovações.
Interessante a norma do artigo 3º da nova lei, segundo a qual: «As dúvidas e as omissões resultantes da interpretação e da aplicação da presente Lei são resolvidas pela Assembleia Nacional», a qual, num sentido literal, parece obviar à interpretação jurídica e à integração de lacunas pelo poder judicial, o que colidiria com outra norma legal, a do artigo 3º do mesmo Código, na qual – com originalidade – se prevê uma cadeia sucessiva de regras integradoras de lacunas, no caso a interpretação extensiva, a analogia, as normas do processo civil «que se harmonizem com o processo penal» e, na sua ausência, os princípios gerais de processo penal e, na sua falta «nos termos da Lei Geral, na medida em que a aplicação de regras e princípios gerais de direito não implique o enfraquecimento da posição do arguido no processo ou a diminuição dos seus direitos processuais».
Citando o referido preceito:
«Artigo 3.º
(Interpretação e integração das lacunas)
1. É permitida a interpretação extensiva das disposições do Código do Processo Penal e a sua aplicação por analogia.
2. Na falta de norma de direito processual penal reguladora de caso análogo ou não sendo possível a analogia, pode recorrer-se às normas de direito processual civil que se harmonizem com o processo penal e, não as havendo, aos princípios gerais de processo penal.
3. Na falta de princípios gerais do processo penal, o caso omisso é regulado nos termos da Lei Geral, na medida em que a aplicação de regras e princípios gerais de direito não implique o enfraquecimento da posição do arguido no processo ou a diminuição dos seus direitos processuais.»
Comparativamente, por exemplo, com o nosso ordenamento legal processual penal, encontramos nesta previsão do Direito Processual Penal angolano duas originalidades em matéria de integração de lacunas (i) a possibilidade de interpretação extensiva integradora e (ii) o recurso para o mesmo efeito aos princípios gerais de Direito.
A possibilidade de interpretação extensiva processual penal e o recurso aos princípios gerais de Direito estão previstos no Código de Processo Penal brasileiro [artigo 3º, ver aqui], segundo o qual: « A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito», noma que terá servido de inspiração ao legislador angolano.
Trata-se de um tema da maior relevância nesta dupla configuração: (i) primeiro, saber se a interpretação e integração de lacunas da Lei n.º 14/22 fica vedada ao poder judicial – o que, repito, não parece ser a intenção legislativa – (ii) segundo, avaliar os limites do recurso à interpretação extensiva e aos princípios gerais de Direito, quando signifiquem agravamento do estatuto do arguido, isto, em nome da regra odiosa restringenda.