A sentenças dos tribunais, quando publicadas, são anonimizadas ou, pelo menos, há a preocupação de o tentar. Quanto às acusações, quando se procede à sua divulgação, existe igual essa preocupação tendencial. Não falo, obviamente, dos casos de violação tolerada de segredo de justiça que, infelizmente, passou a integrar a nossa cultura judiciária, porque aí estamos no território fora da lei.
Há, é evidente, em matéria de publicação, a excepção do artigo 90º-M do Código Penal [introduzido com a reforma do referido diploma em 2007, aprovada pela Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro], segundo a qual se estabelece um sistema de publicação de sentenças, obrigatória nuns casos e facultativa em outros:
«1 – A decisão condenatória é sempre publicada nos casos em que sejam aplicadas as penas previstas nos artigos 90.º-C, 90.º-J e 90.º-L podendo sê-lo nos restantes casos.
«2 – Sempre que for aplicada a pena de publicidade da decisão condenatória, esta é efectivada, a expensas da condenada, em meio de comunicação social a determinar pelo tribunal, bem como através da afixação de edital, por período não inferior a 30 dias, no próprio estabelecimento comercial ou industrial ou no local de exercício da actividade, por forma bem visível ao público.
«3 – A publicidade da decisão condenatória é feita por extracto, de que constam os elementos da infracção e as sanções aplicadas, bem como a identificação das pessoas colectivas ou entidades equiparadas.»
Neste particular o regime passou para as contraordenações em que há lugar à publicação das coimas administrativas, passíveis, embora de exame judicial e, por isso, não se relevou esta substancial diferença.
Ou seja, mau grado tratar-se não de uma decisão não judicial mas meramente administrativa, apesar de com a impugnação judicial e com a remessa dos autos pelo Ministério Público ao juiz tal equivaler a mera uma acusação [artigo 62º do Regime Geral das Contraordenações, ver aqui] a publicação, e com ela o efeito estigmatizante, é permitida.
[já agora, valha um aparte, mau grado a imperfeita letra da lei, não é a “remessa” que equivale a acusação, sim é a decisão administrativa transmitida que assim se transmuta em acusação, a ser sustentada pelo Ministério Público].É o que se passa quanto à Autoridade da Concorrência, entidade que divulga, não só o nome daqueles a quem aplica coimas, como até o próprio processo que a isso conduziu, nisso incluindo – tendo tal ocorrido ao abrigo de um programa de clemência – quem foi o delator. Veja-se, por exemplo aqui e, como se isso não bastasse, para mais pormenores aqui. A base legal é o artigo 90º da Lei n.º 19/2021, de 8 de Maio [ver aqui]
Já quanto à CMVM existem casos em que a decisão sancionatória é publicada com anonimato [ver, por exemplo, aqui] outras em que são revelados os nomes daqueles sobre os quais recaiu a condenação em coima [ver, por exemplo, aqui]. A base legal é o artigo 422º do Código de Valores Mobiliários [Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de Novembro, ver aqui], o qual sempre estabelece alguma restrição facultativa a favor do anonimato.
Quanto ao Banco de Portugal a publicação pode decorrer por força do artigo 212º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras [Decreto-Lei n.º 289/21 de 31 de Dezembro, ver aqui] ou do 72º da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto, relativa ao combate ao branqueamento de capitais e financiamento de terrorismo [ver aqui]. No site do Banco encontram-se respectivamente aqui [apenas uma de 2021] e aqui [com menção ao 55.º-B da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, já revogado].
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A imagem é um quadro de Charles Green, The Town Crier, 1867