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Gravar e fotografar para se defender

O livro, breve nas suas 124 páginas e claro na sua forma de expor, divulga a tese de mestrado sustentada por Margarida Sousa Martins em 2021 na Faculdade de Direito do Porto. O tema é na origem a articulação entre o artigos 167º do Código de Processo Penal e o artigos 199º do Código Penal, os quais se citam:

«Artigo 167º do Código de Processo Penal [Valor probatório das reproduções mecânicas]

1 – As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e, de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.
2 – Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título iii deste livro.»

«Artigo 199º do Código Penal [Gravações e fotografias ilícitas]

1 – Quem sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 240 dias.
2 – Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3 – É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197.º e 198.º»

Está em causa, pois, em primeira linha, alcançar um critério que leve à possibilidade de usar como prova processual penal o que se tenha recolhido como imagem ou palavra de outrem, sem consentimento do visado, mas levado ao processo com finalidade meramente probatória em defesa de quem a pretende através da junção; mas mais do que isso, está em causa saber se, estando a prova assim permitida, por considerar-se haver uma causa de justificação que legitime a não ilicitude do gravado ou fotografado [«se não forem ilícitas», estatui o primeiro dos preceitos em causa], se poderá ir mais longe e não haver  sequer tipicidade que torne lícita a conduta, e é isso precisamente que Margarida Sousa Martins defende: mais do que uma não prova proibida, seria uma acção permitida pelo Direito por não ser passível de censura penal.

Os que, de acordo com o critério clássico, entendiam que a proibição de prova não se verificava por haver exclusão de ilicitude do gravar ou fotografar, concluíam assim porquanto entendiam estar-se ante uma das causas de justificação do facto, as quais estão canonicamente previstas: a legítima defesa [artigo 112º, a) do Código Penal e assim o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Maio de 2019] um direito de necessidade [artigo 34º do Código Penal, e aqui o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29.03.2016], ou ainda o exercício de um direito [artigo 31º, b) do Código Penal].

Alguns poderiam ir mais longe e tentar encontrar sustentáculo – mais frágil diga-se – na teoria da adequação social da conduta, na presunção de interesse legítimo ou na quase legítima defesa, como a autora recolhe de modo sucinto, descontado o exagero de a mesma considerar que são uma «miríade» os critérios ilibadores que percorreu.

A primeira formulação tem desde logo contra si a inexistência de agressão actual, que é um pressuposto essencial da legítima defesa; a segunda, construída sob um conceito inovador de “estado de necessidade probatório”, tem de supor um juízo de manifesta superioridade do interesse de quem fotografou ou gravou face ao interesse do gravado ou fotografado, o que é problemático; a terceira, pressupõe que se dê como assente o que se quer demonstrar, a existência de um direito à conduta, o que se encontra, por exemplo, no direito à informação no quadro da liberdade de imprensa mas pouco mais; as últimas têm escasso acolhimento jurisprudencial, até pela ambiguidade dos seus contornos jurídicos.

A tese desta interessante obra vai num sentido mais amplo, prático e generoso, resolvendo de uma vez o tema da criminalização e da viabilidade probatória. Considera que estaremos ante um causa de ausência de tipicidade ou seja, nem sequer ilicitude chega a existir.

A construção de uma tal formulação jurídica assenta no que a autora enuncia como «a redução do tipo penal» pela consideração de um critério «vítimodogmático», no fundo construído sob um terreno já com expressão na nossa jurisprudência o dos «limites imanentes dos direitos fundamentais», e que vai buscar ao pensamento de Bernd Schünemann [nascido em 1944]. O estudo citado deste autor [ver a sua ficha académica aqui e a biografia a partir daqui] é o publicado na em Buenos Aires em 2009 [ISBN 9789873000157, ver aqui].

Estando em causa a obtenção e uso de registos com finalidade probatória, haveria assim que fazer actuar o aludido critério vítimodogmático – «uma máxima interpretativa por força da qual só são subsumíveis numa incriminação típica as condutas que escapam à autotutela possível e exigível à vítima» – e deste modo

Normalizando uma tal figura, que assume ser controversa, Margarida Sousa Martins dá-nos conta de que a encontra expressa no Código Penal nos seus artigos 149º [consentimento da vítima], artigo 186º, n.º 2 [eximente dos crimes contra a honra estando em causa uma conduta ilícita ou repreensível do ofendido ofendido], 143º, n.º 3 [retorsão], e alínea b), 151º, n.º 2 [participação em rixa]. E é com fundamento nela

 

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