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Desobediência, pandemia e Constituição

Pode considerar-se lei cominatória para efeitos da criminalização da desobediência uma Resolução do Conselho de Ministros. Era de supor que não, mas foi o que determinou a aprovada pelo Governo a 29 de Maio de 2020 no contexto da pandemia. O Acórdão da 3ª Secção do TC n.º 352/2022 [proferido no processo n.º 663/21, relator Lino Ribeiro, texto integral aqui] confirmou que assim é.

É este o sumário:

«É julgada inconstitucional a norma decorrente do artigo 5.º-B, n.º 2, do regime anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 40-A/2020, de 29 de maio, introduzido pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-B/2020, de 22 de junho, conjugadamente com o ponto 4 desta Resolução e com o artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, segundo a qual, para os efeitos do crime de desobediência previsto neste preceito do Código Penal, constitui cominação suficiente a publicação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-B/2020, onde se prevê que, na Área Metropolitana de Lisboa, os estabelecimentos de comércio a retalho e de prestação de serviços, bem como os que se encontrem em conjuntos comerciais, encerram às 20 horas, por violação do artigo 165.º, n.º 1, alínea c), da Constituição. A Lei de Bases da Proteção Civil não contém uma disposição que comine a punição da desobediência, para os efeitos do artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, para a conduta, cometida em situação de calamidade, de desobedecer a ordem ou comando no sentido de que seja encerrado determinado estabelecimento a partir de determinada hora. Não tem a definição necessária para poder considerar-se uma norma incriminatória já suficientemente determinada a que o n.º 2 do artigo 5.º-B, introduzido pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 45-B/2020, tivesse vindo apenas dar maior nitidez. Uma tal cominação veio a ser realizada somente pelo ponto 4 daquela Resolução, conjugadamente com o referido artigo 5.º-B, n.º 2, que introduz elementos centrais para a definição da conduta proibida, pelo que careceria, ele próprio, de revestir os atributos exigidos pelo princípio da legalidade na vertente de lei formal. No âmbito da situação de calamidade o Governo não tem competência para aprovar uma norma como a que aqui se aprecia sem que para tanto estivesse autorizado pela Assembleia da República.»

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