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Depoimento indirecto: the sound of silence

O tema do depoimento indirecto é tudo menos pacífico, nomeadamente quando a testemunha-fonte se recusa a depor.  O Acórdão da Relação do Porto de 25.05.2022 [proferido no processo n.º 71/20.3KRMTS.P1, relator Pedro Vaz Pato, texto integral aqui] enfrentou a questão. Consagra, porém, solução muito discutível porquanto centrada apenas numa interpretação mais do que literal do preceituado legal. Assim, quando o artigo 129º do CPP estatui que:

«Se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoa determinada, o juiz pode chamar estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como meio de prova, salvo se a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de serem encontradas»

o aresto em causa considera que, desde que a testemunha-fonte seja chamada e nada diga, já o testemunho indirecto pode ser valorado.

Ora, é minha opinião que a intenção do legislador não pode ter sido outra que obter um confronto real e efectivo entre o que se disse ter ouvido e aquele que é suposto ter dito, não o confronto entre o ouvir dizer e coisa nenhuma; só o confronto permite a acreditação de quem se louva na boca alheia.

Do sumário – que é aliás longa citação da fundamentação – consta:

«I – Está em causa saber se pode ser valorado o depoimento indireto quando a testemunha-fonte é chamada mas se recusa a prestar depoimento, designadamente porque usa da faculdade prevista no artigo 134.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Questão distinta (sobre que também poderão suscitar-se dúvidas) é a de saber se pode ser valorado o depoimento do que se ouviu dizer ao arguido (e a dúvida será a de saber se a esta outra situação é aplicável, ou não, e em que termos, o próprio regime desse artigo 129.º, n.º 1). Paulo Pinto de Albuquerque (in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2009, nota 2 ao artigo 129.º, pgs. 343 e 344) considera que as exigências do princípio da imediação impõem que, para valorar um depoimento indireto, a testemunha-fonte seja chamada a depor, deponha efetivamente e, ao depor, confirme tal depoimento indireto (se não o confirmar, deverá prevalecer o depoimento desta).
«II – Considerando também que não pode ser valorado o depoimento indireto quando a testemunha-fonte se recusa a depor, podem ver-se o acórdão da Relação de Guimarães de 11 de fevereiro de 2008, proc. n.º 2181/07-1, relatado por Cruz Bucho, e o acórdão desta Relação de 10 de setembro de 2008, proc. n.º 0844418, relatado por Olga Maurício, ambos acessíveis in www.dgsi.pt.
«III – Em sentido contrário, pronuncia-se Carlos Adérito Teixeira (in “Depoimento Indirecto e Arguido: Admissibilidade e Livre Valoração versus Proibição de Prova”, Revista do CEJ, 1º semestre 2005, nº 2, pgs. 140 e 141), afirmando o seguinte: «Se o legislador pretendesse impedir a utilizibilidade do depoimento indirecto ou restringir, drasticamente, o seu âmbito e valor deveria fazer depender o mesmo – para além das considerações procedimentais expressas na lei (indicação da testemunha-fonte e seu chamamento a depor) – de três condições adicionais que ali não constam: primeira, exigir a efectividade da prestação de depoimento directo, requisito que implicaria a irrelevância dos depoimentos indirectos cujas testemunhas-fonte não comparecessem ou, comparecendo, se recusassem, legitima ou ilegitimamente a depor, não podendo o tribunal socorrer-se, por coerência, do mecanismo previsto no art. 135.º do CPP; segunda, exigir a confirmação pela testemunha-fonte da existência da conversa com a testemunha indirecta ou reconhecimento de que prestara (perante esta ou por forma que esta pudesse ter ouvido) as declarações cuja autoria lhe é atribuída, havendo muitas situações reais em que a testemunha-fonte não se recorda ou não está em condições de garantir ter feito o relato à testemunha indirecta; terceira, exigir a confirmação pela testemunha-fonte do conteúdo do depoimento indirecto no sentido de se tornar necessário estabelecer uma sobreposição coerente e perfeita entre ambos os depoimentos, sendo certo que, as mais das vezes, ocorrerão imprecisões, incoerências e contradições». Considerando também que pode ser valorado o depoimento indireto quando a testemunha-fonte é chamada, mas se recusa a depor, podem ver-se o acórdão da Relação de Coimbra de 26 de novembro de 2008, proc. n.º 27/05.6GDFND.C1, relatado por Vasques Osório, in www.dgsi.pt
«IV – A primeira destas duas teses exige, como condição de valoração do depoimento indireto, mais do que o próprio legislador exige. O que este exige é que a testemunha-fonte seja chamada a depor (exceto nos casos de morte, anomalia psíquica superveniente ou impossibilidade de ser encontrada), não exige que o depoimento desta seja efetivamente prestado, nem que esse depoimento de algum modo confirme o depoimento indireto. O que o legislador exige é que o juiz, por imperativo do princípio da imediação, faça o que está ao seu alcance para confrontar o depoimento indireto com o da testemunha-fonte, mas não que tal confronto ocorra efetivamente, o que já não dependerá do juiz e dependerá de outras contingências que serão alheias às necessidades de busca da verdade material. Estas necessidades de busca da verdade material não são, na ótica do legislador, em absoluto sacrificadas ao princípio da imediação.
«V – Não se trata de alargar, seguindo esta outra interpretação, o campo de aplicação da norma excecional que permite a valoração do depoimento indireto. Trata-se de nos cingirmos à própria letra do artigo 129.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, sem ir além dela, sem exigir o que ela não exige»

 

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