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Contraordenações: prazo de impugnação

Modo de contar prazos de impugnação em matéria contraordenacional: deveria ser simples, mas é o caos. O Supremo Tribunal de Justiça teve de intervir a nível de uniformização de jurisprudência em matéria laboral. Sobra o resto e sobra, sobretudo, o que permite a proliferação de interpretações e entendimentos, alçapões à mercê dos quais os particulares sofrem os danosos efeitos.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 3/2022, tirado a 10 de Março e publicado a 13 de Abril [proferido no processo 249/19.2T8CVL.C1-A. S1, relatora Maria Paula Sá Fernandes, publicado no Diário da República n.º 73/2022, Série I de 2022-04-13, páginas 3/17, texto integral aqui] definiu:

«É aplicável à impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa proferida em sede de procedimento de contraordenação laboral, prevista no artigo 33.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, o disposto nos artigos 107.º, n.º 5, 107.º-A, do Código de Processo Penal, e 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, por remissão dos artigos 6.º, n.º 1, da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro, e 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal».

A fundamentação do decidido demonstra até que ponto a proliferação de regimes sectoriais diversificados mais a ambiguidade da remissão para o regime processual pena estão a gerar situações de caos interpretativo, sendo hoje exigência primária do Estado de Direito que o poder legislativo ponha, enfim, ordem nesta amálgama.

Vejamos este largo excerto porque elucidativo:

«

Recorrendo aos elementos sistemático e atualista da interpretação, importa atender aos diversos regimes especiais contraordenacionais. Sem preocupação de exaustividade, note-se que uma parte substancial dos regimes contra-ordenacionais prevê expressamente que o prazo de impugnação judicial é contabilizado em dias úteis e/ou remete diretamente para o RGCO, sendo por isso aplicável este último diploma, relativamente ao qual não se discute a possibilidade da prática de actos nos três dias úteis subsequentes ao término do prazo. É o caso do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (artigos 228.º e 232.º), do Código dos Valores Mobiliários (artigos 407.º e 416.º, n.º 1), do Regime processual aplicável aos crimes especiais do setor segurador e dos fundos de pensões e às contraordenações cujo processamento compete à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões publicado como Anexo II da Lei n.º 147/2015 de 09.09 (artigos 28.º, n.º 1 e 32.º), do Regime Geral das Contra-ordenações Ambientais (artigo 2.º), do Novo Regime da Concorrência (artigos 14.º e 83.º), do Decreto-Lei n.º 10/2004 de 09.01 que aprovou o Regime Aplicável às Contra-ordenações Aeronáuticas (artigo 35.º), da Lei n.º 99/2019 de 04.09 – Regime quadro das Contra-ordenações do sector das Comunicações (artigo 32.º, n.º 1), da Lei n.º 9/2013 de 28.01 que aprova o Regime Sancionatório do Sector Energético (artigos 4.º e 6.º, n.º 1) e do Estatuto da Entidade Reguladora para Comunicação Social aprovado pela Lei n.º 53/2005 de 08.11 (artigo 67.º, n.º 2).

Ao invés, o Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas recentemente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 9/2021 de 29.01 prevê que o prazo é contínuo e a aplicação subsidiária do Código de Processo Penal com as devidas adaptações, incluindo, consequentemente, a possibilidade da prática do acto processual nos três dias úteis subsequentes. Este diploma é aplicável às Infrações Antieconómicas e contra a Saúde Pública (artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 28/84 de 20.01) e às Contra-ordenações previstas no Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (artigo 204.º) e no Código da Propriedade Industrial (artigo 316.º, n.º 1).

Com este Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas e da sua aplicação às infrações referidas, transparece a intenção do legislador em aproximar o regime jurídico de tais contra-ordenações às disposições processuais penais.

Verificamos, assim, no que concerne às regras aplicáveis aos prazos para dedução de impugnação judicial e excluindo por agora a Lei n.º107/2009, que os regimes sectoriais agrupam-se em duas lógicas:

– Um grupo em que se aplicam as normas dos prazos administrativos, contabilizando-se em dias úteis e sem aplicação das regras processuais penais;

– Outro grupo em que se aplicam as regras dos prazos judiciais com a remissão para as regras do processo penal e, consequentemente, com a aplicação da possibilidade de praticar os actos nos três dias úteis subsequentes.

Depois de analisada a evolução legislativa e a tendência manifesta do legislador em criar regimes quadro sectoriais no âmbito das contra-ordenações, deixando para o RGCO um papel cada vez mais de direito subsidiário, afigura-se, ainda, no que respeita ao procedimento contra-ordenacional laboral, que o legislador pretendeu uniformizar o regime aplicável aos prazos para a prática de actos nas várias fases do processo. Prevendo, apenas, uma exceção: o artigo 6.º, n.º 2 da Lei n.º 107/2009, relativo à não suspensão dos prazos nas férias judiciais na fase administrativa. Tal exceção encontra justificação no normal funcionamento das autoridades administrativas por contraposição aos tribunais durante o período das férias judiciais. Configurando essa previsão mais um indício para o intérprete de que o legislador quis mesmo efetuar uma remissão de conteúdo mais lato, pois se o legislador quisesse remeter, apenas, para o disposto no artigo 104.º do Código Processo Penal, tê-lo-ia dito, dado que tal norma existia à data da entrada em vigor da Lei n.º107/2009. Por outro lado, a interposição de recurso da decisão da autoridade administrativa, tal como resulta do artigo 33.º da Lei n.º 107/09, de 14 de setembro, encontra-se inserido na Secção II do Capítulo IV, com a epígrafe Fase Judicial.

Uma interpretação restritiva da remissão prevista no artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009, implicaria que as contra-ordenações laborais não se inserissem em nenhum dos subgrupos supra-referidos, constituindo um regime sui generis e criando incoerência no sistema pois que:

– Os prazos administrativos não correm aos sábados, domingos e feriados e, consequentemente, a parte que deles beneficia dispõe de mais tempo para preparar o acto processual que pretende praticar;

– Os prazos judiciais correm de forma contínua, sendo por isso necessariamente mais curtos, mas as partes beneficiam da suspensão durante as férias judiciais, bem como da possibilidade de praticarem o acto nos três dias úteis subsequentes ao seu término mediante o pagamento de uma multa;

– O prazo administrativo para dedução de impugnação judicial em processo contra-ordenacional laboral, não seria contado nos termos gerais em dias úteis, mas sim de forma contínua, mas não beneficiaria da suspensão das férias judiciais, nem da possibilidade de praticar tal acto nos três dias úteis subsequentes.

Veja-se, no caso do acórdão recorrido, se o prazo de 20 dias:

(i) fosse contado de acordo com as regras dos prazos administrativos, o acto poderia ser praticado até dia 05.02.2019;

(ii) fosse um prazo judicial (ou se, se aplicasse o disposto no artigo 107.º, n.º 5 do Código de Processo Penal por remissão do artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009), o acto poderia ser praticado até dia 31.01.2019 (no 3.º dia útil);

(iii) se se aplicasse a posição restritiva, o acto só poderia ser praticado até dia 28.01.2019 (1.º dia útil seguinte ao término do prazo que terminou a um Domingo).

Se é certo que a não aplicação da suspensão das férias judiciais à impugnação judicial encontra fundamento no modo de funcionamento das autoridades administrativas – sem qualquer condicionamento durante o período das férias judiciais – já a não aplicação da possibilidade da prática do acto nos três dias úteis subsequentes ao seu término mediante o pagamento de uma multa criaria um tratamento diferenciado injustificado, com prejuízo manifesto para o exercício do direito de defesa do arguido em processo de contra-ordenação laboral, o que se nos afigura não ter sido o objetivo do legislador.

Não vislumbramos, assim, qualquer fundamento para que no âmbito de um procedimento de contra-ordenação laboral o arguido visse o prazo para apresentação da sua defesa reduzido quando comparado com os demais prazos para impugnação judicial das decisões administrativas de outras autoridades, criando-se um regime híbrido e mais desfavorável.

Deste modo, afigura-se-nos que a remissão prevista no artigo 6.º, n.º 1 da Lei n.º 107/2009 deve ser interpretada como incluindo, também, o disposto nos artigos 107.º e 107.º-A do Código de Processo Penal e, por remissão destes, o artigo 139.º do Código de Processo Civil, pelo que não se deverá convocar a aplicação do disposto no artigo 60.º da Lei n.º 107/2009 que remete para o RGCO, configurando-se ser esta a interpretação mais consentânea e conforme com as garantias de defesa previstas, designadamente, no artigo 32.º n.º 10, da Constituição da República Portuguesa.»

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