Se há uma regra de comportamento deste blog é ter-se tornado intermitente. São circunstâncias da vida do seu autor que determinam tal modo de ser.
Excesso de trabalho na profissão, o que há pudor em dizê-lo numa altura em que, infelizmente, muitos colegas estão à míngua de oportunidades para satisfazerem os seus encargos, esse excesso é causa directa, mas aparente, afinal.
Sucede que, servida hoje por meios electrónicos, um computador com 16 GB de RAM e 2 TB de disco, com o arquivo alojado numa “nuvem”, todos os documentos digitalizados, assinatura de tantas bases de dados que alojam informação relevante e com acesso on line, em suma, com a tecnologia supostamente a ajudar, tornei-me, e sei que nos tornámos escravos da profissão.
Há, evidentemente, a obsessão twitteriana de consultar em cada momento o smartphone para actualizar a informação sobre o que se passa no mundo, para além do nosso pequeno mundo, as newsletters que, uma a uma, se vão assinando, tão indispensáveis parecem, e que começam pela madrugada ao trazerem-nos as capas dos jornais e fecham à noite com o resumo do dia e inundam o dia com actualizações permanentes. Um amigo meu envia-me, em lote, dezenas de jornais, de que não leio um que seja, pois ler exigiria o dia inteiro. E agradeço muito, sem confessar-lho.
Há também o sem descanso das mensagens que chegam a todas as horas, dia ou noite, pelos mais diversos canais, do email, ao Whatsapp, deste ao Signal, pelo Telegram, pelo Skype, até pelo Messenger. E evito os podcasts, há semanas que não vejo televisão, raramente ouço notícias na rádio, na imprensa vejo o mais directo e passo adiante, poupando-me aos comentadores enciclopédicos.
Não é falta de interesse cívico, é apenas o dia ter vinte e quatro horas, cada hora sessenta minutos e, cada vez mais, cada minuto ter mesmo e apenas sessenta segundos. A angústia é eu ter setenta e dois anos já gastos.
Ante tudo isto, troquei as horas do dia, dei comigo a acordar às quatro da manhã, qual vigília monástica, sem cantar matinas, em alguns dias a trabalhar até perto das quatro, qual coruja noctívaga de triste piar.
E, no entanto, ficam por ler os livros que vou comprando, as revistas que assino, por escrever os livros de há muito iniciados, até os artigos que me atrevi a prometer. A ausência aqui é, pois, parte de uma insuficiência maior.
Claro que, neste admirável mundo novo, há o computador a fazer longas actualizações, o sistema operativo a crashar por conflitos de software, a internet em baixa, a espera até restabelecer o sinal e até lá o pavor de não ter feito um backup.
Mas há sobretudo um inefável não sei o quê a ter tornado a vida insuportável. Faço listas, planos, programo, divido as tarefas pelos dias, dentro destes o trabalho pelas horas. E passo cada vez mais expectativas para o dia seguinte, promessas para logo que possível.
Comprei um fantástico livro do Umberto Ecco intitulado A Obsessão das Listas, magnificamente ilustrado. Folheei-o sem ler. Está ali, na estante, a servir de consolo.
Outrora a chegada do correio marcava o dia, a carta em papel era a má consciência do dever por cumprir. Além disso, era tudo lento. Tinha uma máquina de escrever, um telefone analógico em que se discava o número. Assinava fichas com jurisprudência, mensais, em cartolina azul, colava as actualizações aos códigos, cortando fotocópias da folha oficial e anotando à mão o sentido da mudança.
Tínhamos, porém, tempo, mais tempo.
A contemporaneidade é andar mais depressa num lugar cada vez mais pequeno, como ratos enlouquecidos na roda da incessante busca.
Outro dia, num julgamento, alguém, não importa quem e tão amigo foi, veio amigavelmente fazer-me saber que lia este espaço. E animar-me a que continuasse. Quase envergonhado terei murmurado: assim tenha oportunidade.
É claro que as redes sociais são espaços de liberdade; quando temos leitores há, porém, um difuso dever de corresponder à gentileza, sobretudo quando o que escrevemos visa dar aos outros o que encontrámos.
Vim, por isso, aqui, neste Domingo.
A inércia soma-se ao cansaço. Não sei sobre o que escreverei. Outra faceta da actualidade é parecer que está tudo dito, na variante perversa de aparentar ser inútil dizer seja o que for. Ante um mundo tão vocal, o silêncio tornou-se refúgio ou ao menos sinal de boas maneiras.