Em tempos de caos legislativo, opacidade teorética e volubilidade jurisprudencial, ao sairmos do confinamento para a liberdade condicional, talvez o humor nos salve, sobretudo para enfrentar os que andam sempre zangados consigo mesmos e, por isso, com a vida e nela todos os outros.
Consegui ler, aos poucos, este risonho livro, que em seu tempo foi à segunda edição, saído da bem humorada pena de [Júlio Augusto] Montalvão Machado [1898-1968], o qual no prefácio à obra, datada de Chaves, a jeito de se explicar, escreve: «Rir-mo-nos uns dos outros, na sua real presença, é passatempo jovial e inocente, muito apreciado pelos sempre moços, principalmente quando começam a entrar na segunda meninice».
Tantas são as histórias que ali se contam, umas de experiência própria, outras de «Colegas discretos», a quem endossa «um abraço de transmontano agradecimento», que mataria o humor do escrito se optasse por mais do que uma, e aqui fica a escolha de entre tantas a que ele chama de «arrabiscos […] atirados a esmo para o papel almaço».
Pois foi esse o caso de «em uma comarca do Norte, há umas dezenas de anos» ter surgido um senhor Advogado «ilustre desconhecido caído de terras longínquas», o qual «andava sempre perfilado solenemente como pau de bandeira; e nas conversações, a esfregar muito as mãos, tomava enfaticamente uns ares de superiorite lunática, ridícula!».
E, eis a criatura, no que à sua caricatura respeita: «Na prática forense, era muitas vezes desrespeitoso, dizia e escrevia agressivas tolices, sem revelar conhecimento de ciência jurídica, nem qualquer espécie de graça».
Ora «em processo abrangendo falcatrua graúda», com vários recursos para a Relação, o Presidente do Colectivo se viu a braços, ao lado de minutas «algumas brilhantes e bem fundamentadas» com a do dito «bastante infeliz e comprometedora em sua atrevida irreverência».
«Minhoto e muito hábil», o magistrado, certo na prática de que juiz avisado escreve pouco, escreveu, porém, o suficiente: «Quanto à minuta de recurso, a fls., nada diremos, por nada haver digno de apreciação, visto ressaltar que, embora subscrita pelo ilustre Advogado constituído, certamente foi trabalho apenas – e somente – do Réu condenado, um pobre Velho, a favor de quem o Col.º deu como provada …. a ausência completa de ilustração e educação!?»
P. S. Para os que em tudo, mesmo na mais ténue ironia, vêm ofensa de advogados para com as suas augustas figuras e instituições que deles se servem, aqui fica: o autor foi magistrado e distinto.