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Apreensão de correio electrónico

By Fevereiro 8, 2020Não existem comentários
Tema da maior actualidade o do regime jurídico da apreensão do correio electrónico, nomeadamente em função da sua articulação com o regime processual penal comum da apreensão de correio. Daí o interesse deste enunciado do Acórdão da Relação de Lisboa de 04.02.2020 [proferido no processo n.º 1286/14.9IDLSB-A.L1-5, relator Luís Gominho, texto integral aqui]:
«- O regime de apreensão de correio electrónico mostra-se regulado directamente pelo artigo 17º da Lei do Cibercrime e, subsidiariamente (por remissão do mesmo) pelos pressupostos e requisitos legais relativos à apreensão de correspondência, previstos no artº 179º do CPP.
– A intromissão nas comunicações e na correspondência está sujeita a autorização judicial, o que se justifica pelo princípio da proporcionalidade face à especial danosidade social que implica tal intromissão.
– As mensagens de correio electrónico, que se encontrem armazenadas num sistema informático, só podem ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução Criminal, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência, conforme remissão para o artº 179º do CPP.
– Envolvendo a apreensão realizada, correio electrónico, e constituindo a regra que o “juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida” precisamente uma das normas mais emblemáticas do regime de apreensão para que se remete, não se vê como através do elemento literal a mesma possa ser afastada, pelo que compete a este proceder à sua abertura.
– Mais do que a sua natureza electrónica, para o nosso legislador, o que sobretudo pesou ao nível das suas preocupações, foi a sua faceta de “correspondência” pelo que se entende que o legislador não quis, através da Lei do Cibercrime, consagrar uma menor protecção à correspondência electrónica do que aquele que consagra em relação à correspondência física e não faria sentido, deixar de considerar os restantes requisitos, fazendo a apreensão de correio electrónico depender apenas de a diligência “se afigurar ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”, e ignorar os demais previstos no citado artigo 179.º do CPP.
– E não é pela circunstância, de não ter o domínio do inquérito, que o juiz de instrução criminal – que aliás, pode ser assessorado tecnicamente nessa actividade – fica inabilitado de poder decidir quais as mensagens que se “afiguram ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.»
Cita-se, porquanto ilustrativo, este largo excerto da fundamentação [sublinhados meus]:
«Por aqui melhor se identifica então o sentido da questão a resolver: apreendido em inquérito correio electrónico, qual a entidade que dele deve tomar conhecimento em primeiro lugar: O JIC como pretende o Recorrente ou o Ministério Público como o defende a Sr.ª Juiz?O que leva associada uma outra decorrência que com a primeira se correlaciona, ainda que não tão enfatizada, a de saber quem nesse condicionalismo selecciona as que se devam ser consideradas relevantes para a investigação.
III – 3.2.) De um ponto de vista normativo, julgamos não existirem dúvidas relevantes sobre a identificação dos preceitos que devem ser convocados para a resolução da questão identificada.
Com efeito, de harmonia com o estatuído no art. 16.º da Lei n.º 109/20099, de 15 de Setembro, usualmente designada de “Lei do Cibercrime”:
“1 – Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou de outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados dados ou documentos informáticos necessários à produção de prova, tendo em vista a descoberta da verdade, a autoridade judiciária competente autoriza ou ordena por despacho a apreensão dos mesmos.
2 – O órgão de polícia criminal pode efectuar apreensões, sem prévia autorização da autoridade judiciária, no decurso de pesquisa informática legitimamente ordenada e executada nos termos do artigo anterior, bem como quando haja urgência ou perigo na demora.
3 – Caso sejam apreendidos dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos, que possam pôr em causa a privacidade do respectivo titular ou de terceiro, sob pena de nulidade esses dados ou documentos são apresentados ao juiz, que ponderará a sua junção aos autos tendo em conta os interesses do caso concreto.
4 – As apreensões efectuadas por órgão de polícia criminal são sempre sujeitas a validação pela autoridade judiciária, no prazo máximo de 72 horas.
5 – As apreensões relativas a sistemas informáticos utilizados para o exercício da advocacia e das actividades médica e bancária estão sujeitas, com as necessárias adaptações, às regras e formalidades previstas no Código de Processo Penal e as relativas a sistemas informáticos utilizados para o exercício da profissão de jornalista estão sujeitas, com as necessárias adaptações, às regras e formalidades previstas no Estatuto do Jornalista.
6 – O regime de segredo profissional ou de funcionário e de segredo de Estado previsto no artigo 182.º do Código de Processo Penal é aplicável com as necessárias adaptações”.
Já o preceituo seguinte dispõe em sede de apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante que:
“Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal”.
No caso presente, como vimos, o dissídio não se dirige à autorização propriamente dita, mas sobre quem toma conhecimento em primeiro lugar dos ficheiros de correio electrónico apreendidos.
Sendo que o regime para o qual aquele último preceito remete, consubstanciado no art. 179.º do Cód. Proc. Penal (apreensão de correspondência), estipula no respectivo n.º 3 que:
“O juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida. Se a considerar relevante para a prova, fá-la juntar ao processo; caso contrário, restitui-a a quem de direito, não podendo ela ser utilizada como meio de prova, e fica ligado por dever de segredo relativamente àquilo de que tiver tomado conhecimento e não tiver interesse para a prova.”
Ou seja não só deve ser o primeiro a tomar conhecimento do seu conteúdo, como também é ele que deverá emitir o juízo sobre a sua relevância.
Neste domínio merece ainda referência a invocação do preceituado no art. 268.º, n.º1, al. b), do Cód. Proc. Penal, segundo o qual “compete exclusivamente ao juiz de instrução”, tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida, nos termos do n.º 3 do artigo 179.º”.
III – 3.3.) De um ponto de vista Jurisprudencial, a resposta conferida por esta Relação (não encontramos decisões sobre esta matéria específica proferidas pelas demais) vai claramente no sentido propugnado pelo Ministério Público. Por ordem cronológica:
Acórdão de 11/01/2011, no processo n.º 5412/08.9TDLSB-A.L1-5 (Relator Desembargador Ricardo Cardoso):
I – A Lei do Cibercrime (Lei nº109/09, de 15Set.), ao remeter no seu art.17, quanto à apreensão de mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, para o regime geral previsto no Código de Processo Penal, determina a aplicação deste regime na sua totalidade, sem redução do seu âmbito;
II – As mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, que se afigurem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, podem ser apreendidas, aplicando-se correspondentemente o regime de apreensão de correspondência previsto no CPP;
III – Tais apreensões têm de ser autorizadas ou determinadas por despacho judicial, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida, sob pena de nulidade;
Acórdão de 06/02/2018, no processo n.º 1950/17.0T9LSB-A.L1-5 (Relator Desembargador João Carrola):
Lei do Cibercrime, lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, a qual transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI, do Conselho da Europa, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa, determina no seu art.º 17º, sob a epígrafe da “apreensão de correio electrónico e registo de comunicações de natureza semelhante”, dispõe que, quando no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados armazenados nesse sistema informático ou noutro que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime de apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.
Aplicando-se assim o regime de apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal, este encontra-se disciplinado no art.º 179º, o qual estabelece desde logo no n.º 1 que tais apreensões sejam determinadas por despacho judicial, “sob pena de nulidade” expressa (n.º 1), e que “o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida”, o que se aplica ao correio electrónico já convertido em ficheiro legível, o que constitui acto da competência exclusiva do Juiz de Instrução Criminal, nos termos do art.º 268º n.º 1 alínea d) do CPP, o qual estabelece que “compete exclusivamente ao juiz de instrução, tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida”, o que se estendeu ao conteúdo do correio electrónico, por força da subsequente Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, constituindo a sua violação nulidade expressa absoluta e que se reconduz, a final, ao regime de proibição de prova.
A falta de exame da correspondência pelo juiz constitui uma nulidade prevista no art.º 120º n.º 2 alínea d) do CPP, por se tratar de um acto processual legalmente obrigatório.
Acórdão de 07/03/2018, no processo n.º 184/12.5TELSB-B.L1-3 (Relatora Desembargadora Conceição Gonçalves):
I – Com a aprovação da Lei do Cibercrime (Lei 109/2009 de 25 de Setembro) foi introduzida, pela primeira vez no nosso ordenamento, um regime jurídico de prova digital.
II. O regime de apreensão de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante mostra-se regulado directamente pelo artigo 17º da Lei do Cibercrime e, subsidiariamente (por remissão do mesmo) pelos pressupostos e requisitos legais relativos à apreensão de correspondência, previstos no artº 179º do CPP (deixando de se aplicar a extensão legal prevista no artº 189º, nº 1 do CPP).
(…)
IV. A intromissão nas comunicações e na correspondência está sujeita a autorização judicial, o que se justifica pelo princípio da proporcionalidade face à especial danosidade social que implica tal intromissão.
V. Da redacção do artº 17º da Lei do Cibercrime resulta de forma clara que não esteve no espírito do legislador transpor para o correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante a distinção, por referência ao correio tradicional, de correio aberto ou fechado, o que desde logo se colhe do elemento literal previsto neste preceito legal com a expressão “armazenados” o que pressupõe que a comunicação já foi recebida/lida e, consequentemente, armazenada, além de não existirem razões para considerar diminuídas as exigências garantísticas do correio electrónico quando aberto/lido relativamente ao correio electrónico fechado, atenta a natureza própria destas comunicações.
VI. As mensagens de correio electrónico que se encontrem armazenadas num sistema informático só podem ser apreendidas mediante despacho prévio do Juiz de Instrução Criminal, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência, conforme remissão para o artº 179º do CPP.
III – 3.4.) Sabemos – e o despacho de sustentação não deixa de o convocar -, que o Exm.º Senhor Procurador da República Rui Cardoso, num ebook promovido pelo Centro de Estudos Judiciários dedicado à Cibercriminalidade e Prova Digital, Colecção Formação Contínua, Junho de 2018 (mas também na Revista do Ministério Público, n.º 153, Janeiro/Março de 2018, pág.ªs 179 e segts), na sequência da posição também defendida nesse particular por Pedro Verdelho, tendo vindo a propugnar um diferente entendimento para a conjugação entre os art.ºs 17.º da Lei do Cibercrime e o art. 179.º do Cód. Proc. Penal, confluindo na não obrigatoriedade de ser o juiz de instrução criminal o primeiro a tomar conhecimento do correio electrónico apreendido. 
Julgamos poder sintetizá-la pela forma seguinte: Quando o primeiro dos preceitos acima indicado determina a aplicação correspondente do regime de apreensão de correspondência previsto no indicado art. 179.º, tal aplicação não é integral. “Só deve ser feita naquilo que não contrariar o já previsto na própria LCC; a remissão para o CPP não pode sobrepor-se ao regime especial de prova electrónica previsto na LCC”.
Para assim concluir, convoca quatro argumentos principais que procuraremos detalhar com apelo ao texto do próprio Autor:
O elemento literal: Se fosse intenção do legislador aplicar integralmente o regime de apreensão da correspondência do CPP, bastar-lhe-ia ter dito que “à apreensão de mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante é aplicável o regime de apreensão de correspondência previsto no CPP”. Não o fez. Porquê seleccionar e repetir no artigo 17.º da LCC apenas um dos requisitos já previstos no artigo 179.º do CPP (grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova)? Nessa interpretação, seria redundante.
Outro argumento na letra do artigo 17.º está no segmento “o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho”, expressão que o CPP utiliza frequentemente a propósito da competência do juiz de instrução face a vários meios de prova ou de obtenção de prova, desde logo no artigo 269.º. Na instrução, competirá ao juiz de instrução ordenar a apreensão; no inquérito, apenas autorizá-la. No inquérito, o juiz de instrução autoriza a apreensão, mas é o Ministério Público que a ela procederá (ou, por regra, determinará OPC a fazê-lo). Note-se que a apreensão poderá não ser de tudo o requerido pelo Ministério Público e assim haverá necessidade de proceder à apreensão apenas daquilo que for autorizado através da forma prevista no artigo 16.º, n.º 7, alínea b) (realização de uma cópia só com esses dados), para que será necessário conhecimento técnicos e ferramentas informáticas que os magistrados dificilmente possuirão. Autorizar, como verbo transitivo, significa conceder licença para algo, conferir autoridade a, permitir, validar, apoiar. No caso, pressupõe, pois, que a iniciativa é de outrem, do Ministério Público, e que é desse a selecção das comunicações cuja apreensão se autorizará ou não. A não ser assim, o juiz de instrução nunca se limitaria a autorizar, antes sempre ordenaria a apreensão, deixando sem sentido aquilo que o legislador expressamente inseriu na redacção do artigo 17.º.
Coerência do sistema de tutela de direitos: Se devemos presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, também temos de presumir que consagrou as soluções mais acertadas – artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil. Estas não seriam as mais acertadas se fossem radicalmente incoerentes entre três artigos (seguidos!) no mesmo diploma, oferecendo uma menor tutela a situações potencialmente mais lesivas dos direitos fundamentais. Porém, é a isso mesmo que conduz a interpretação que defende que, no inquérito, o juiz de instrução é sempre o primeiro a tomar conhecimento das mensagens de correio electrónico ou semelhantes. Nos casos mais graves para a privacidade dos artigos 16.º, n.º 3, e 18.º, os OPC’s e o Ministério Público podem e devem tomar primeiro conhecimento do conteúdo; nos casos menos graves, quando pode nem sequer existir qualquer violação de privacidade (aplica-se a todas as mensagens de correio electrónico ou semelhantes, independentemente do seu conteúdo), é o juiz de instrução que o deve fazer. Não encontramos razão de política criminal que sustente tal diferença.
Não afectação dos mesmos direitos e distinta natureza dos dois correios: a apreensão de correspondência e a apreensão de mensagens de correio electrónico ou semelhantes não afectam exactamente os mesmos direitos fundamentais e electrónico ou semelhantes e, consequentemente, com o campo de aplicação do artigo 179.º do CPP e do artigo 17.º da LCC. A remissão acrítica para o regime da apreensão de correspondência do CPP não oferece qualquer tutela para as situações em que a mensagem de correio electrónico está simultaneamente em vários sistemas do remetente e do(s) destinatários(s), pois tal não pode suceder com a correspondência corpórea (ou está em trânsito ou está já entregue ao único destinatário e num único local), contrariamente ao que sucede com o correio electrónico, em que o remetente fica, por regra, com a mensagem que enviou.
A identificação de um objecto como “cartas, encomendas, valores, telegramas ou qualquer outra correspondência”, a que se aplica o disposto no artigo 179.º do CPP, é feita sem qualquer necessidade de tomar conhecimento do seu conteúdo; porém, em muitos casos, é impossível saber o que é ou não “mensagem de correio electrónico” ou “registo de comunicações de natureza semelhante” sem tomar conhecimento do seu conteúdo. Desde logo, as mensagens de correio electrónico ou semelhantes podem ser guardadas, individualmente ou em grupo, podendo o utilizador fazê-lo em diferentes tipos de ficheiro e com os nomes que entender. Nesses casos, só com a abertura de cada um desses ficheiros será possível saber se contêm ou não mensagens de correio electrónico ou semelhantes.
Na apreensão de correspondência, a obrigatoriedade de ser o juiz o primeiro a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência visa assegurar que o conteúdo da correspondência estava efectivamente nela contida. Não é para impedir que outros que não o juiz tomem conhecimento do conteúdo dessa correspondência em caso de irrelevância probatória: se assim fosse, a decisão do juiz de juntar ao processo ou devolver deveria ser irrecorrível.
Deste modo, não há nenhuma real garantia (v.g., para a privacidade) no conhecimento das mensagens de correio electrónico ou semelhantes ser em primeiro lugar do juiz: tal não pode impedir o Ministério Público de, depois, a essas mensagens ter acesso, nomeadamente para poder recorrer da decisão do juiz de não apreensão. A garantia está apenas na decisão de apreensão/não apreensão e essa não é minimamente afectada pelo conhecimento prévio pelo Ministério Público do conteúdo das mensagens.
As decorrências do princípio acusatório e as competências do juiz de instrução, ou seja: (…) a necessidade de proceder à interpretação do artigo 17.º da LCC em conformidade com a estrutura acusatória do processo, consagrada no artigo 32.º, n.º 5, da CRP, o que significa, na fase de inquérito, respeitar a função do Ministério Público como titular do inquérito e do juiz de instrução como juiz de garantias.
Durante o inquérito, o juiz de instrução deve ser apenas juiz de liberdades e garantias: juiz de controlo, não de iniciativa. Deve ser garante dos direitos do visado pela investigação e controlador da actividade do Ministério Público e das polícias criminais que o coadjuvam, não tendo nem devendo por isso ter qualquer empenho nos interesses em conflito, não tomando parte activa na investigação, não dominando o seu impulso, o seu objecto ou o seu resultado.
O juiz não pode, ao mesmo tempo, representar o interesse público na repressão criminal e ser um terceiro imparcial, pois são interesses absolutamente incompatíveis.
III – 3.5.) Sem prejuízo das descontinuidades de regulamentação encontradas e do entendimento que a expressão correspondentemente possa concitar, temos por inelutável que constituindo a regra de que o “juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida” precisamente uma das normas mais emblemáticas do regime de apreensão para que se remete (tanto mais que, como vimos, constitui até fonte expressa de uma nulidade correspondente a proibição de prova), não vemos como através do elemento literal a mesma possa ser afastada.
A razão pela qual aquela se institui tem uma justificação mais ampla da que acima se assinala.
Como a este propósito o refere o Exm.º Sr. Conselheiro Santos Cabral, que nesta parte assegura o Comentário do art. 179.º no Código de Processo Penal de António Henriques Gaspar e Outros (Almedina, 2014, pág.ªs 762/3), citando para o efeito Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, pág.ª 545), “o direito ao sigilo da correspondência e restantes comunicações privadas, implica, não apenas o direito que ninguém as viole ou as devasse, mas também o direito de terceiros que a elas tenham acesso não as divulguem”.
Ou seja, “a Constituição não garante somente o sigilo da correspondência e outros meios de comunicação privados (n.º1), mas também proíbe toda a ingerência (n.º4), envolvendo a liberdade de envio e de recepção de correspondência, a proibição de retenção ou de apreensão, bem como de interferência (telefónica etc.) (…).”
Donde, não se ter em vista assegurar apenas o conteúdo da correspondência apreendida, mas também a protecção conferida pelo referido regime ao direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar.
Como acima fica anotado, o correio electrónico e a “correspondência” de que fala o art. 179.º não são realidades que materialmente se identifiquem.
Mas o que igualiza uma carta de uma encomenda?
Julgamos que apenas a sua expedição, transporte e recepção por intermediação dos correios.
Naturalmente que uma aclaração normativa do regime específico associado àquele primeiro não deixaria de ser bem-vinda.
Em todo o caso, estamos firmemente convictos que mais do que a sua natureza electrónica, para o nosso Legislador, o que sobretudo pesou ao nível das suas preocupações foi a sua faceta de “correspondência”.
Daí o sentido da afirmação contida no já mencionado acórdão desta Relação no processo n.º 184/12.5TELSB-B.L1-3: “entendemos que o legislador não quis, através da Lei do Cibercrime, consagrar uma menor protecção à correspondência electrónica do que aquele que consagra em relação à correspondência física. Na verdade, não faria sentido, deixar de considerar os restantes requisitos, fazendo a apreensão de correio electrónico depender apenas de a diligência “se afigurar ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”, e ignorar os demais previstos no citado artigo 179.º do CPP.
Para além disso, porque estão em causa direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos, como o direito à privacidade e reserva da vida privada e familiar e à inviolabilidade da correspondência e comunicações (cf. arts. 26.º, n.º 1, 34.º, n.º 1 e 18.º, n.ºs 2 e 3, todos da CRP), as respectivas restrições têm de obedecer aos pressupostos materiais da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido restrito (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4.ª ed., Coimbra Editora, 2007, págs. 388 e 392).
Por outro lado, é pacífico o entendimento de que, quando se trata de interpretar e aplicar normas restritivas de direitos fundamentais, o critério interpretativo não pode deixar de ser aquele que assegure a menor compressão possível dos direitos afectados (…).”
Aliás, a circunstância de estarmos no domínio de eventuais proibições de prova preconiza igualmente alguma cautela em termos interpretativos.
Quiçá, a actividade material apreciativa a desenvolver em relação a este tipo correio tem uma efectivação mais complexa, para além de poder envolver uma extensão quantitativa muito superior.
Com efeito, a facilidade das comunicações electrónicas favorece essa proliferação.
Ainda assim, julgamos que nada no art. 179.º impede que o Juiz de Instrução Criminal possa ou deva ser assessorado tecnicamente nessa actividade.
E se por um lado não deixamos de ser sensíveis ao argumento da divisão funcional de jurisdições dentro do processo, julgamos ainda assim que não é pela circunstância de não ter o domínio do inquérito que aquele segundo fica inabilitado de poder decidir quais as mensagens que se “afiguram ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova”.»
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