Sempre em risco, a enfrentar várias frentes de ataque pelas mais variadas razões, o segredo profissional de advogado ainda consegue encontrar um espaço de consideração em aresto como o Acórdão da Relação de Évora de 07.01.2020 [proferido no processo n.º 422/14.0T9TMR-A.E1, relatora Maria de Fátima Bernardes, texto integral aqui], segundo o qual e de acordo com o respectivo sumário: «Só se justifica a quebra do segredo profissional de advogado se, no caso concreto, for absolutamente essencial e imprescindível à descoberta da verdade material, que se pretende alcançar.»
Eis a fundamentação do decidido:
«Em processo penal, a regra geral quanto ao dever de testemunhar é a que consta do n.º 1 do artigo 131º do Código de Processo Penal, o qual preceitua que: «Qualquer pessoa que se não encontrar interdita por anomalia psíquica tem capacidade para testemunhar e só pode recusar-se nos casos previstos na lei.»
Todavia, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 135º, que supra se transcreveu, os advogados e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo profissional podem recusar-se a depor, invocando, precisamente, esse dever.
Mas o segredo profissional não é absoluto, sendo legalmente previstos casos em que pode ser dispensado ou quebrado.
Tratando-se de Advogado, existem duas[5] situações em que, excecionalmente, pode ser, por assim dizer desvinculado, do segredo profissional, sendo uma a das situações a da dispensa do segredo profissional, requerida pelo Advogado ao Presidente do Conselho Regional competente e por este autorizado, nos termos do artigo 92º, n.º 4 do EOA e a outra situação, a da quebra do segredo profissional, por via do correspondente incidente processual, regulado no artigo 135º do C. Processo Penal.
É esta última a situação que, in casu, é submetida à apreciação desta Relação.
Como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 135º, o tribunal superior pode ordenar a prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que se mostre “justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos”.
O princípio da prevalência do interesse preponderante impõe ao tribunal superior a realização de uma atenta, prudente e aprofundada ponderação dos interesses em conflito, a fim de ajuizar qual deles deverá, no caso concreto, sobrepor-se ao outro[6].
«Os interesses em confronto são, por um lado, o interesse do Estado na realização da justiça, especificamente, na realização da justiça penal, e por outro, o interesse tutelado com o estabelecimento do segredo profissional na Advocacia, ou seja, a tutela da relação de confiança entre o advogado e o cliente e da dignidade do exercício da profissão que a Lei Fundamental considera elemento essencial à administração da justiça (art. 208º da Constituição da República Portuguesa)[7].»
Nesta ponderação, os elementos a atender, pelo tribunal para aferir qual o interesse preponderante que deve prevalecer, em ordem a justificar a quebra do segredo profissional e a determinar a prestação de depoimento por quem se encontre obrigado ao mesmo, são, nomeadamente, a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos.
Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque [8], «A imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade significa duas coisas: a descoberta da verdade é irreversivelmente prejudicada se a testemunha não depuser ou, depondo, o depoimento não incidir sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional e, portanto, o esclarecimento da verdade não pode ser obtido de outro modo, isto é, não há meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade.
A “necessidade” de protecção de bens jurídicos identifica-se com uma “necessidade social premente” (…) de relevação da informação coberta pelo segredo profissional, à luz da interpretação que o TEDH e o Comité de Ministros do Conselho da Europa têm feito do artigo 8º da CEDH [9] (…). Os “bens jurídicos” a que a lei se refere são os bens jurídicos tutelados pela lei penal Portuguesa, mas a quebra do sigilo profissional só é justificável se corresponder a um interesse social premente. (…)»
Portanto, nem todos os bens jurídicos tutelados pela lei penal justificam a quebra do sigilo profissional. O critério da necessidade da protecção dos bens jurídicos é ainda mais rigorosamente delimitado pelo critério da “gravidade do crime”. É aqui se reside o cerne do juízo de justificação feito pelo tribunal superior: na ponderação da gravidade do crime investigado em contrapeso com o prejuízo da intrusão na privacidade da pessoa obrigada ao segredo profissional. A gravidade dever ser aferida em abstracto e em concreto. Em abstracto, o conceito de “gravidade do crime” ou de “crime grave” deve ser condensado de acordo com a bitola fixada no artigo 187.º, nº 1, al.ª a) [10], isto é, considerando-se “crime grave” o crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos, atenta a similitude material entre a tutela do direito à privacidade pelo artigo 187º e a tutela do segredo profissional pelo artigo 135.º Ou seja, não deve o tribunal superior considerar justificada a quebra do segredo profissional nos casos de crime punível com pena de prisão até três anos. (…)
Isto não quer obviamente dizer que a revelação da informação sobre segredo profissional deva sempre ter lugar quando estiver em causa a investigação de crimes puníveis com pena superior a três anos de prisão. A ponderação da gravidade dos crimes puníveis com pena superior a três anos de prisão não é dispensável, pois a gravidade do crime deve ser aferida não apenas em abstracto, mas também em concreto, em face das concretas circunstâncias que envolveram a prática do crime. (…).»
É incontroverso que a quebra do segredo profissional, em favor do interesse da descoberta da verdade dos factos e da administração da justiça, tem carácter verdadeiramente excecional e, em nosso entender, só deve ser determinada por razões imperiosas, de outro modo inultrapassáveis, nomeadamente, estar a parte impedida de produzir a prova que lhe compete sem o depoimento da testemunha adstrita ao segredo profissional [11], ou, dito de outro modo, só é justificada a quebra «quando não haja meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade.[12]»
Como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 135º, o tribunal superior pode ordenar a prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que se mostre “justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos”.
O princípio da prevalência do interesse preponderante impõe ao tribunal superior a realização de uma atenta, prudente e aprofundada ponderação dos interesses em conflito, a fim de ajuizar qual deles deverá, no caso concreto, sobrepor-se ao outro[6].
«Os interesses em confronto são, por um lado, o interesse do Estado na realização da justiça, especificamente, na realização da justiça penal, e por outro, o interesse tutelado com o estabelecimento do segredo profissional na Advocacia, ou seja, a tutela da relação de confiança entre o advogado e o cliente e da dignidade do exercício da profissão que a Lei Fundamental considera elemento essencial à administração da justiça (art. 208º da Constituição da República Portuguesa)[7].»
Nesta ponderação, os elementos a atender, pelo tribunal para aferir qual o interesse preponderante que deve prevalecer, em ordem a justificar a quebra do segredo profissional e a determinar a prestação de depoimento por quem se encontre obrigado ao mesmo, são, nomeadamente, a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos.
Conforme refere Paulo Pinto de Albuquerque[8], «A imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade significa duas coisas: a descoberta da verdade é irreversivelmente prejudicada se a testemunha não depuser ou, depondo, o depoimento não incidir sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional e, portanto, o esclarecimento da verdade não pode ser obtido de outro modo, isto é, não há meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade.
A “necessidade” de protecção de bens jurídicos identifica-se com uma “necessidade social premente” (…) de relevação da informação coberta pelo segredo profissional, à luz da interpretação que o TEDH e o Comité de Ministros do Conselho da Europa têm feito do artigo 8º da CEDH[9] (…). Os “bens jurídicos” a que a lei se refere são os bens jurídicos tutelados pela lei penal Portuguesa, mas a quebra do sigilo profissional só é justificável se corresponder a um interesse social premente. (…)»
Portanto, nem todos os bens jurídicos tutelados pela lei penal justificam a quebra do sigilo profissional. O critério da necessidade da protecção dos bens jurídicos é ainda mais rigorosamente delimitado pelo critério da “gravidade do crime”. É aqui se reside o cerne do juízo de justificação feito pelo tribunal superior: na ponderação da gravidade do crime investigado em contrapeso com o prejuízo da intrusão na privacidade da pessoa obrigada ao segredo profissional. A gravidade dever ser aferida em abstracto e em concreto. Em abstracto, o conceito de “gravidade do crime” ou de “crime grave” deve ser condensado de acordo com a bitola fixada no artigo 187.º, nº 1, al.ª a)[10], isto é, considerando-se “crime grave” o crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos, atenta a similitude material entre a tutela do direito à privacidade pelo artigo 187º e a tutela do segredo profissional pelo artigo 135.º Ou seja, não deve o tribunal superior considerar justificada a quebra do segredo profissional nos casos de crime punível com pena de prisão até três anos. (…)
Isto não quer obviamente dizer que a revelação da informação sobre segredo profissional deva sempre ter lugar quando estiver em causa a investigação de crimes puníveis com pena superior a três anos de prisão. A ponderação da gravidade dos crimes puníveis com pena superior a três anos de prisão não é dispensável, pois a gravidade do crime deve ser aferida não apenas em abstracto, mas também em concreto, em face das concretas circunstâncias que envolveram a prática do crime. (…).»
É incontroverso que a quebra do segredo profissional, em favor do interesse da descoberta da verdade dos factos e da administração da justiça, tem carácter verdadeiramente excecional e, em nosso entender, só deve ser determinada por razões imperiosas, de outro modo inultrapassáveis, nomeadamente, estar a parte impedida de produzir a prova que lhe compete sem o depoimento da testemunha adstrita ao segredo profissional[11], ou, dito de outro modo, só é justificada a quebra «quando não haja meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade.[12]»
Tendo presentes as considerações que se deixam expendidas e baixando ao caso concreto:
Antes de mais, importa referir que não se determinou a audição da Ordem dos Advogados, como se estabelece no n.º 4 do artigo 135º do C. Processo Penal, atendendo a que o Sr. Advogado, Dr. BB juntou aos autos cópia da notificação que lhe foi dirigida pelo Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, de que foi proferido despacho de indeferimento do pedido de dispensa de sigilo profissional que, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 92º do EAO, formulou, tal audição se traduziria numa mera e desnecessária repetição e portanto, na prática de um ato inútil.
Por outro lado, a circunstância de não serem conhecidos nos autos, os fundamentos em que o órgão competente do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados se baseou para indeferir o pedido de dispensa de sigilo profissional apresentado pelo Dr. BB, ao abrigo do n.º 4 do artigo 92º do EAO e que constarão do despacho proferido que foi notificado ao Sr. Advogado que requereu aquela dispensa[13], não tem qualquer relevância para a apreciação da questão trazida à apreciação desta Relação, quer por que esse despacho recaiu sobre um pedido dirigido pelo Sr. Advogado ao Presidente daquele Conselho Distrital, de dispensa do sigilo profissional – seguindo o procedimento previsto no artigo 92º, n.º 4 do EOA e no Regulamento nº. 94/2006, de 12 de junho -, quer porque essa decisão é vinculativa apenas para o Sr. Advogado e não para este Tribunal. E por que assim é, o desconhecimento, no processo de onde foi extraído o presente traslado, dos fundamentos daquele despacho e, ressalvado o devido respeito por entendimento contrário, não pode servir para que o arguido, ora recorrente, possa invocar, como o faz, a inconstitucionalidade do artigo 135º, n.º 3, do CPP, na interpretação «de que pode ser decidido que o segredo profissional prevalece sobre o interesse da descoberta da verdade e da defesa do Arguido, sem que se conheça, mesmo de forma sumária, o interesse concreto subjacente à recusa do seu levantamento, por violação das garantias de defesa, tal como previstas no art. 32º, n.º 1, da C.R.P..»
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[1] In Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição, Almedina, anotação 2 ao artigo 135º, pág. 494.
[2] Cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, Vol. I, 3ª Edição, Editora Rei dos Livro, 2008, pág. 961
[3] Cfr. Cons. Santos Cabral, in ob. cit., anotação 5 ao artigo 135º, pág. 499.
[4] E também no Regulamento nº. 94/2006, de 12 de junho (Regulamento de Dispensa de Segredo Profissional da AO, pub. no DR IIª Série, de 25 de maio de 2006).
[5] Certo setor da jurisprudência considera ainda existir uma terceira situação que é a que decorre da desvinculação feita pelo próprio cliente, isto é, quando este autoriza a revelação do segredo– neste sentido, vide, entre outros, Ac. desta RE de 07/05/2019, proc. 248/12.5TAELV-B.E1 e Ac. da RC de 28/11/2018, proc. n.º 305/14.3T9LRA-A.C1, ambos acessíveis no endereço www.dgsi.pt e Paulo Pinto de Albuquerque –, não sendo este entendimento consensual, defendendo outro setor da jurisprudência e da doutrina, que do ponto de vista da desvinculação, o consentimento do cliente é irrelevante – neste sentido, vide, entre outros, Ac. da RP de 07/12/2018, proc. 430/14.0TAAMT.P1, também acessível no referenciado endereço –.
[6] Cf. referenciado Ac. da RC de 28/11/2018, proc. n.º 305/14.3T9LRA-A.C1,
[7] Idem.
[8] In Comentário do Código de Processo Penal …, 3ª edição, 2009, Universidade Católica Editora, anotações 8, 9 e 10 ao artigo 135º, páginas. 363 e 364.
[9] Normativo que têm por epigrafe, “Direito ao respeito pela vida privada e familiar” e que dispõe:
1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência.
2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros.
[10] Que se reporta à admissibilidade das escutas telefónicas.
[11] Cfr. Ac. da RL de 25/03/2014, proc. 602/08.7TBBNV-A.L1-7
[12] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in ob. cit. anotação 11 ao artigo 135º, páginas 364 e 365.