O sistema legal em matéria de ilícito de mera ordenação social carece de duas definições essenciais: uma, uma lei-quadro a partir da qual todos os regimes específicos, e tantos são, se sujeitem para evitar a completa disparidade de soluções que encontramos, amiúde sem qualquer razão substancial de diferenciação; outra, um regime geral que seja o mais extenso e completo possível e assim não sujeite, como até aqui, a normação contraordenacional viver em função do que se achar ser ou não lacuna a integrar pelo regime do processo penal e os interessados a sofrerem as funestas consequências da incerteza. É que, por não ser assim, e vivendo como se vive, tudo é uma floresta de enganos, por vezes para as entidades impugnantes e – às vezes sucede – para as próprias autoridades administrativas. O Acórdão da Relação de Lisboa de 03.12.2019 [proferido no processo n.º 68/19.6TNLSB.L1-5, relator Luís Gominho] é disso bom exemplo, ao ter de resolver o problema da admissibilidade do envio de uma peça processual por uma autoridade administrativa por meio de correio electrónico, sem assinatura do seu autor e a possibilidade de tal ser causa de rejeição. Uma Justiça insegura fruto de um Direito incerto.
É este o sumário do decidido [texto integral aqui, com desenvolvimentos que vale a pena considerar]:
«Ainda que se possa reconhecer a existência de uma fase administrativa e uma outra judicial no processo contra-ordenacional, a verdade é que um processo contra-ordenacional, embora tenha uma fase adminstrativa, não é um processo administrativo.
– Um recurso de “impugnação judicial” em processo contra-ordenacional, como tal definido por lei – artigo 59.º, n.º 1, do RGCO – não é um recurso administrativo, nem se lhe aplicam normas administrativas.
– Ao recurso de impugnação judicial do processo contra-ordenacional aplicam-se as normas do RGCO; em caso de lacuna neste aplicam-se as normas do C.P.P. (artigo 41.º do RGCO); em caso de lacuna deste, aplicam-se as normas do C.P.C. (artigo 4.º do C.P.P.)”.
– Em processo penal, é admissível a remessa a juízo de peças processuais através de correio electrónico, nos termos do disposto no artigo 150.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961, na redacção do Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27.12, e na Portaria n.º 642/2004, de 16.06, aplicáveis conforme o disposto no artigo 4.º do Código de Processo Penal.
– Não pode deixar de exigir-se a assinatura ou autenticação dos documentos electrónicos remetidos a juízo, não por via do citius, sequer através de endereço de e-mail oficializado pela Ordem dos Advogados, mas por endereço particular de e-mail do Ex.mo Advogado remetente.
– Mas a remessa para a Autoridade administrativa por meio de correio electrónico simples, sem a assinatura do seu autor, não deve determinar como consequência, a rejeição pura e simples da impugnação apresentada, que seja tempestiva, sem que previamente seja concedida ao interessado a possibilidade do seu aperfeiçoamento, rejeição que a existir, sem tal prévio convite, viola o viola o direito ao recurso.
– Acresce que não existe norma legal a cominar a rejeição do recurso, enviado e recebido pela autoridade administrativa dentro do prazo, quando não esteja devidamente assinado pelo seu autor, vigorando neste domínio, um princípio de legalidade.
– Não deixando aquela omissão de traduzir uma irregularidade, entende-se que a mesma poderá ser reparada com um convite ao seu subscritor para, em prazo que se entenda conveniente, apresentar pessoalmente no Tribunal recorrido o original do recurso de impugnação por si enviado, devidamente assinado, ou então, também pessoalmente, ratificar o articulado primitivamente apresentado.»