A solução achada foi fundada na ponderação da regra do nemo tenetur [direito ao silêncio e à não auto-incriminação], configurada, porém, ante as circunstâncias específicas do caso e não como decorreria de uma leitura apressada e superficial do extracto acima referido, com uma valia genérica para todas as situações. Efectivamente o acórdão reconheceu que:
Mas a situação do caso em apreço era porém específica, como o consignou a decisão a que nos reportamos, pois está-se ante um fisco bifronte, autoridade tributária e órgão de polícia criminal:
E nesta dimensão concreta entendeu o Tribunal ser de ponderar o tema de modo próprio:
«Verifica-se, por conseguinte, uma relação desequilibrada entre os custos e os benefícios da restrição em análise, uma vez que inexiste uma articulação racional suficiente entre os custos ou desvantagens a suportar pelo titular do direito o contribuinte, suspeito ou arguido e os benefícios ou vantagens que a mesma permite alcançar para o interesse público. Por isso, tal restrição do direito à não autoincriminação ínsito no princípio nemo tenetur se ipsum accusare mostra-se desproporcionada e, como tal, constitucionalmente ilegítima.»
Foi assim que o Tribunal considerou existir inconstitucionalidade na «interpretação» [fórmula interessante porque no passado o mesmo Tribunal rechaçou tal configuração ao clausular que não lhe cabia sindicar interpretações inconstitucionais mas sim normas eventualmente inconstitucionais].
+
Interessante, por isso, e a ganhar assim compreensão, a perspectiva expressa pelo Presidente da Tribunal na sua declaração de voto:
Isto sem prejuízo de entender que este mesmo resultado final poderia e deveria alcançar-se no contexto de um outro paradigma de compreensão e conjugação dos dispositivos constitucionais pertinentes e aplicáveis. Um paradigma alternativo que reputo mais consistente doutrinalmente e mais ajustado normativamente. E, como tal, capaz de oferecer resposta à generalidade dos problemas emergentes nas áreas de concorrência, convergência e conflitualidade entre o direito tributário e o direito processual penal de étimo acusatório. Isto é, um paradigma que, para além de satisfazer integralmente os valores, os interesses e as reivindicações legítimas do direito tributário (tanto material-substantivo como adjetivo-procedimental), assegure ao mesmo tempo a satisfação irrestrita das exigências do privilege against self-incrimination.
Importa, nesta linha e em primeiro lugar, perspectivar o nemo tenetur como uma figura ou instituto do processo penal e operados os ajustamentos devidos, dos demais processos sancionatórios que em nada é tocado pelo cumprimento das obrigações de colaboração/verdade que o moderno direito tributário faz impender sobre o contribuinte. Não fazendo, a meu ver, sentido levar à balança da ponderação e da proporcionalidade os valores/interesses inerentes ao sistema tributário como contrapostos aos valores/interesses da justiça criminal mediatrizados pelo nemo tenetur. E a ditar, sendo caso disso, o recuo ou o sacrifício das exigências do nemo tenetur. Os problemas associados ao privilégio contra a auto-incriminação são problemas de índole exclusivamente processual-penal. Só se colocam quando, num segundo e ulterior momento, se opera uma mudança de fim. Isto é, quando os meios de prova obtidos no procedimento tributário à custa das obrigações tributárias de colaboração/verdade chegam ao processo penal e aí reivindicam a valoração como meios de prova. Provocando, como resposta, uma inultrapassável proibição de valoração, ditada precisamente pelo nemo tenetur. A haver ponderação aqui, ela só poderia ocorrer entre os valores/interesses servidos pelo nemo tenetur e outros (contra-)valores/interesses subjetivados por uma justiça criminal eficaz.
Em segundo lugar e em conformidade, é minha convicção que as relações de assincronia e arritmia que medeiam entre os cursos do processo penal e dos procedimentos tributários não têm que ditar uma resposta diferenciada às constelações típicas de que aqui curamos. E que o juízo de conformidade/desconformidade constitucional não tem de ser diferente consoante o processo penal corra à frente ou atrás do processo tributário.»