Sob a moderação de Vítor Costa, Director Adjunto de Informação da agência LUSA, com a participação do jornalista António Tadeia e da eurodeputada Ana Gomes, teve lugar, no passado dia 7 de Maio, um debate sobre a nova Directiva europeia sobre a protecção dos “whistleblowers” que muito em breve será publicada [ver o texto aqui].
O meu contributo nesse debate centrou-se nos seguintes tópicos:
-» a legislação portuguesa em matéria criminal, centrada na Lei n.º 19/2008 [primitivamente aplicável apenas ao sector público, depois estendida ao sector privado por via da Lei n.º 30/2015] e no âmbito desta para uma remissão que torna aplicável a lei de protecção de testemunhas [Lei n.º 93/99, modificada pelas Leis ns. 29/2008 e 42/2010], é insuficiente do ponto de vista das garantias outorgadas aos denunciantes;
-» já no domínio contra-ordenacional e regulatório multiplicam-se as formas de tutela da auto-denúncia e do tutela da mesma, com incentivos a que a mesma ocorra para efeito de benefício de regime de clemência;
-» a situação internacional gerada pela política norte-americana, nomeadamente no que se refere ao combate ao branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo tem tornado irreversível a tendência no sentido do incremento da colaboração com a investigação criminal;
-» comparada com a realidade norte-americana, a Europa encontra-se ainda dentro dos limites de um significativo equilíbrio, até porque não se trata de um sistema que gratifique monetariamente os denunciantes;
-» entre os vários modelos em curso de discussão e desenvolvimento legislativo configura-se a protecção dos denunciantes, sobretudo face à reacção pública e das autoridades judiciárias no que se refere às situações reveladas pelos Panama Papers, Paradise Papers, Luxleaks, etc.;
-» o tema torna-se problemático tratando-se de denúncias relativas a informações obtidas de forma ilícita, nomeadamente punível criminalmente, sobretudo em face da legislação que torne esse tipo de prova, em geral, proibida, como é o caso do sistema português [artigo 126º do Código de Processo Penal];
-» mas o problema não se esgota com informações obtidas por essa forma, podendo tratar-se de conhecimento obtido pelo denunciante no quadro das suas funções profissionais no quadro de uma organização;
-» a Directiva restringe precisamente o seu âmbito aos denunciantes que se integrem em organizações e que hajam efectuado uma denúncia interna para as competentes entidades corporativas incumbidas de funções de compliance;
-» A Directiva cobre um amplíssimo território de tutela, praticamente toda a área sobre a qual a União Europeia emitiu normativos;
-» a Directiva oferece protecção não apenas aos denunciantes mas igualmente aos “facilitadores”;
-» a Directiva enuncia um conceito aberto quanto à credibilidade da denúncia, ao prever que relevará a situação daqueles que tiverem «motivos razoáveis para crer que as informações comunicadas eram verdadeiras no momento em que foram comunicadas e são abrangidas pelo âmbito de aplicação da presente diretiva»;
-» a Directiva salvaguarda o segredo médico e de advogados e declara não prejudicar as normas internas sobre processo penal.
Assunto relevante é saber em que termos se verificará a transposição da Directiva para o Direito nacional, conhecidas como são as dificuldades que se verificaram no âmbito da transposição em matéria de branqueamento de capitais em que o previsto enferma de dúvidas e incongruências, ainda por resolver.
Importa igualmente relevar a cultura judiciária de cada país, nomeadamente quanto à prevalência nos tribunais superiores de exigências formais e de procedimento as quais, se facilitadas na recepção da denúncia e na sua valoração probatória, podem redundar no inêxito do sistema pela anulação das decisões judiciais sustentadas nesse tipo de prova.