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Manifesto

By Novembro 10, 2018Não existem comentários
Quando a escrita jurídica se libertar do aluvião de citações em pé de página e a escorrer no próprio texto, quando cada parágrafo, e até cada linha, vierem enxutos com o pensamento em si de quem escreve e não com a enxurrada torrencial de outros autores – tantos de outros momentos, outras perspectivas, outras oportunidades – como se, em incerteza, quem escreve precisasse, obsessivo,de companhia;
Quando reminiscências, vazias já de substância, provindas de um Direito Canónico que teve grandiosidade e sentido mas é de então, e palavras como dogmática puderem, enfim, encontrar substituição, e com isso tudo o que nelas ressoa de profissão inquestionável de fé, tudo estranho a um Direito que se quer interrogação de quem é capaz de pecar;
Quando cada obra pensada puder servir ao menos uma exigência do seu tempo e não os caprichos particulares de uma prova académica, e puder ser livremente, enfim, o que a individualidade do seu autor queira que ela seja e a escreva;
Quando do Direito houver a percepção de que ele é a luta pelo Direito, crise permanente de antagonismos, ânsia de homens imperfeitos, nisso incluídos os que se julgam definitivos julgadores;
Quando o Direito se libertar da vaidade de querer ser Ciência e se recriar como Arte, que o é, ao serviço do Justo, que é o Belo possível no Bem;
Quando o humano puder ser, no Direito, de novo, definitivamente, a medida de todas as leis, o critério de todas as decisões, o fundamento de todo o raciocínio;
Quando a massificação do Mal der trégua a que a lei da guilhotina seja eficácia na ânsia da sua erradicação e a gabar-se de generosidade;
Quando no Direito a Cultura deixar de ser feérica erudição mas, visto o mundo fora dos livros e sentida a lição da Natureza, a civilidade do relativo e a expectativa do possível;
Quando do Direito houver, em suma, a essência de um decálogo e não a multidão enciclopédica de regulamentos, europeus que sejam, precários por isso;
Quando cada um abandonar o projecto individual de ser caso de sucesso de entre os burocratas da repressão;
Quando, enfim, autores como eu, se livrarem da carroça do modo miúdo de cumprir, esgotados, a profissão e puderem, regressando ao estudo, a começar pelo das coisas básicas – e por elas se ousa a revisão – escrever, enfim, livros que não sejam divulgação e mera opinião e possam ser o que o intelecto alcançou e a sensibilidade apreendeu.
Quando tudo isto não for apenas exclamação de revolta ante uma vida por cumprir, mas programa e método para futuro, talvez eu possa encontrar paz para um juízo menos severo ao que tentei fazer. Até lá, haverá, sim, que rasgar e começar de novo. 

“A Luta pelo Direito é a Poesia do Carácter”. Rudolph von Ihering disse-o, em 1872, na cidade de Viena.

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