Skip to main content

Obrigado, meu patrono!

Hoje, de novo por ser o Dia do Advogado, não posso deixar de exprimir aqui uma palavra de gratidão àquele que me recebeu no seu escritório e me ensinou a ser Advogado. Sinto, após tantos 45 anos ligados à profissão, que quanto sou devo-o a ele e tanto ficou por aprender.
Ensinou-me a transformar o problema do constituinte – esse torvelinho de factos, emoções e imprecisões – num caso, num caso que se pudesse submeter à Justiça.
Ensinou-me a tentar encontrar para cada caso uma solução que pudesse ser aceitável para os interesses que nos eram confiados e não envergonhasse quem tivesse de decidir.
Ensinou-me a escrever de acordo com o Direito e que não me deixasse encantar pelo que não pudesse encontrar na lei um ponto de encontro.
Ensinou-me que a vida jurídica é companheirismo e cultura.
Em muitíssimo fiquei aquém.
Homem de coragem cívica, Francisco Salgado Zenha pagou com a liberdade a ousadia, ele que fora o primeiro Presidente eleito da Associação Académica de Coimbra, denunciando abusos, no foro, na escrita. Dominava a ironia ácida com mestria, enfrentando com sorriso a adversidade. Os seus livros, apreendidos pela polícia política aí estão, por todos as Notas sobre a Instrução Criminal, aprisionado logo na tipografia, como exemplos e escola.
Confiou-me, no 5º andar da Avenida 5 de Outubro, para onde se mudara, vindo da Baixa pombalina, onde cheguei, na condição de «sub estagiário», assim me apelidou, como se assim praxasse a minha iniciação forense, missões jurídicas muito para além do que me sentia capaz, mas sempre com aquele encorajamento desafiante de que «o senhor doutor é um grande advogado». E imagina-se eu, imberbe nos meus vinte e dois anos, a ser «o senhor doutor», ante o formalismo de que nunca abdicou, como se forma cortês de manter distância.
Com a Revolução de 25 de Abril, seria o primeiro ministro da Justiça do primeiro Governo Provisório e eu seria um dos seus dois secretários.
Lembro as noites de desassossego, minutando, transido, peças de recurso contencioso de anulação para o Conselho Ultramarino – «o senhor doutor vai ver que é fácil, aquilo é uma espécie de Supremo Tribunal Administrativo para as colónias»  e o «senhor doutor» nunca na Faculdade ouvira falar de tal coisa nem sonhava que existiria – as manhãs a acompanhar o seu fiel empregado forense e amigo – que saudades desse meu homónimo, o Senhor José António Pombinho, comunista convicto e preso como ele tinha estado em Caxias – pelas secretarias judiciais para aprender – foi assim, pelo rodapé da vida forense que também diz o meu estágio – onde se entregavam os requerimentos, onde se levanta a guia para ir pagar «o preparo» à Caixa Geral de Depósitos, quantas folhas de papel selado levava um articulado, e onde se via a distribuição, como se inutilizava a data nos selos fiscais.
Num momento de raríssima intimidade concluímos que a sua Mãe, tal como a minha, se chamava Ernestina. Por aí ficámos, e por um remoque com que, ante o meu irrequietismo juvenil, me brindou, comparando-me, risonho, aos «alfaiates», uns bichitos que havia nos rios da sua Braga natal.
Venero por isso uma extraordinária figura. Ninguém se resume a uma só palavra; a terminar com uma, que hoje passou a ser a medida de todas as coisas, permito-me esta: honradez. Na política ganhou o designativo de ser «a consciência moral» do partido a que pertenceu. Não por acaso.
Follow by Email
Facebook
Twitter
Whatsapp
LinkedIn