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Notícias ao Domingo!

By Janeiro 22, 2017Não existem comentários
O tema de reflexão deste Domingo incide sobre a tendência que se está a desenhar para a responsabilização penal das pessoas colectivas. A imprensa económica internacional está repleta de casos exemplares. Há normativos em preparação. A nossa História a este propósito é muito significativa dos critérios que têm presidido.
1. Olhando para como tem sido no nosso Direito Penal, primeiro foi em meados da década de oitenta as primeiras tentativas de responsabilização das pessoas colectivas. Paradigmático o que sucedeu em termos de infrações de cariz económico ou contra a saúde pública com o Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro [ver aqui]. Sobre cuja validade, já agora, há algo a dizer.
2. Trata-se – pois ainda vigora – de um diploma que foi não só publicado na folha oficial como promulgado e referendado para além do prazo concedido ao Governo para legislar, no uso da autorização legislativa conferida pelos artigos 1.º, alínea a), 2.º e 4.º, alínea a), da Lei n.º 12/83, de 24 de Agosto, mas cuja inconstitucionalidade orgânica foi salva pelo Tribunal Constitucional com o argumento segundo o qual … tanto a promulgação como a referenda não fazem parte do processo legislativa, mas são actos puramente políticos! Na altura estava em causa a aplicabilidade do texto legal em causa a processos sobre fraudes aos subsídios concedidos ao abrigo dos fundos comunitários. Quem suscitou a questão a propósito de um processo concreto não poderia ter ilusões. O argumento da inconstitucionalidade não poderia ser acolhido, pois haveria que o salvar, arranjando “Direito” para o caso, o que sucedeu, com base no argumento segundo o qual, aprovado apenas em Conselho de Ministros dentro do prazo, o diploma não era “nado morto”.
3. Depois foi a circunstância de esse diploma prever a responsabilidade penal das pessoas colectivas por crimes nele previstos numa lógica de sucessão, sem embargos de normas específicas como a prevista no artigo 7º do RGIT [e outras]. As pessoas colectivas respondem por causa das condutas das pessoas singulares que as responsabilizem.
Veja-se o artigo 3º do citado Decreto-Lei:

«1 – As pessoas colectivas, sociedades e meras associações de facto são responsáveis pelas infracções previstas no presente diploma quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse colectivo.
«2 – A responsabilidade é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.
«3 – A responsabilidade das entidades referidas no n.º 1 não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o n.º 3 do artigo anterior
Ora desde a Revolução Francesa que a responsabilidade penal é pessoal e intransmissível e isso está previsto na nossa Constituição e reiterado no Código Penal. Também aqui o Tribunal Constitucional salvou a situação.
4. Além disso, a nível geral, tratava-se de consagrar uma responsabilidade penal sem culpa, pois só podem agir com culpa as pessoas singulares. Mas também aqui a jurisprudência constitucional salvou o diploma.
5. Enfim, foi a consagração de uma norma específica, de cunho geral, no Código Penal a consagrar
os termos em que ocorre a responsabilidade penal das pessoas colectivas.
Eis o artigo 11º do referido Código:

«1 – Salvo o disposto no número seguinte e nos casos especialmente previstos na lei, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal.
«2 – As pessoas coletivas e entidades equiparadas, com exceção do Estado, de pessoas coletivas no exercício de prerrogativas de poder público e de organizações de direito internacional público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º sendo a vítima menor, e nos artigos 168.º, 169.º, 171.º a 176.º, 217.º a 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285,º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 376.º, quando cometidos: 


a) Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou
b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. 


«3 – (Revogado.)
«4 – Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade.
«5 – Para efeitos de responsabilidade criminal consideram-se entidades equiparadas a pessoas colectivas as sociedades civis e as associações de facto.
«6 – A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito.
«7 – A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes nem depende da responsabilização destes.
«8 – A cisão e a fusão não determinam a extinção da responsabilidade criminal da pessoa colectiva ou entidade equiparada, respondendo pela prática do crime:
a) A pessoa colectiva ou entidade equiparada em que a fusão se tiver efectivado; e
b) As pessoas colectivas ou entidades equiparadas que resultaram da cisão.
«9 – Sem prejuízo do direito de regresso, as pessoas que ocupem uma posição de liderança são subsidiariamente responsáveis pelo pagamento das multas e indemnizações em que a pessoa colectiva ou entidade equiparada for condenada, relativamente aos crimes: 


a) Praticados no período de exercício do seu cargo, sem a sua oposição expressa;
b) Praticados anteriormente, quando tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou entidade equiparada se tornou insuficiente para o respectivo pagamento; ou
c) Praticados anteriormente, quando a decisão definitiva de as aplicar tiver sido notificada durante o período de exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento. 

«10 – Sendo várias as pessoas responsáveis nos termos do número anterior, é solidária a sua responsabilidade.
«11 – Se as multas ou indemnizações forem aplicadas a uma entidade sem personalidade jurídica, responde por elas o património comum e, na sua falta ou insuficiência, solidariamente, o património de cada um dos associados. »
6. Tanto num caso como em outro, sucedem duas realidades perversas mas a que o sistema fica indiferente: primeiro, a incerteza quanto a quem pode representar a pessoa colectiva, matéria sobre a qual reinou diversidade de critérios jurisprudenciais; depois, a estigmatização dos que, nomeadamente se actuais administradores daquela, ficam adstritos a sentarem-se no “banco dos réus” ao lado daqueles que, pelos seus actos, levam a pessoa colectiva a ser responsabilizada no foro criminal e isto sem que a opinião pública distinga quem são uns e quem são outros, estigmatizando injustamente os novos em função dos antigos, e mais sucedendo que, amiúde, a nova administração está em funções precisamente para que se assuma a nível da pessoa colectiva uma nova filosofia de acção conforme ao Direito e em completa divergência com o que decorrera da transacta administração, agora a ser julgada pelos seus actos.
7. Novos tempos se avizinham no plano da responsabilização. Olhando para o panorama da legislação em preparação e para a prática que, oriunda dos EUA, começa a ser comum na Europa, um novo cenário está em marcha: já não se investigam casos pontuais de pessoas singulares por causa dos quais se responsabilizam pessoas colectivas; agora, a partir de uns casos pontuais, abrem-se investigações a pessoas colectivas, e delas passa-se para a responsabilização das pessoas individuais que possam estar envolvidas. Ou melhor dizendo: investigadas as pessoas colectivas a partir de uma amostra de casos individuais, transaciona-se com elas pesadíssimas sanções pecuniárias e daí parte-se para a responsabilização individual das pessoas que as tenham administrado. Primeiro ganha a Fazenda o valor da “pena negociada”, a seguir trata-se de tentar uma outra punição. Não é indiferente serem as pessoas colectivas, nomeadamente se empresas, significativamente mais abonadas para suportarem o valor das penas pelas quais se libertam de ulteriores procedimentos.
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