Sempre fui um euro-céptico e, ironizando, disse um dia que me recusava a saber Direito Europeu para exercer a minha profissão porque talvez este terminasse antes de eu chegar ao fim da minha vida activa como advogado. Neste contexto, fui convivendo como pude, com má vontade e sem convicção, com o galopante fenómeno da europeização da vida jurídica portuguesa.
A descrença teve menos a ver com o dito “Direito” provindo das instituições europeus, que na sua esmagadora e torrencial produção se traduz em regulamentos, ansiosos de, em lógica totalitária, abrangerem a mais ínfima parte da vida social dos países, mas com a estrutura política que deu azo ao mesmo, em crescente centralização a caminho de uma unidade bancária e de um governo supra-nacional, tudo sem que os povos abrangidos fosse ouvidos sequer sobre tal opção, que significasse pura e simplesmente a perda do núcleo essencial das soberanias nacionais..
Ora assim como o Direito não legitimado pela democracia não é um Direito justo, assim terá de estar desprovido de legitimação substancial tudo quanto proveio das instituições europeias. Isto para quem não tome como um conceito relativo a noção de Estado de Direito Democrático e não conviva os princípios em função das circunstâncias.
Em contra-ciclo, ante os escombros dessa realidade condenada desde o ovo ao fracasso – uma Europa do capital, baseada na aglutinação de interesses divergentes, desproporcionada entre o Norte e o Sul, e assolada por crises que não sabe resolver – eis que surge agora a democracia sob a forma da bandeira referendária, tida, aliás, por subversiva pelos próceres do sistema, o que evidencia bem a contradição que a tudo subjaz.
O impacto da saída da Grã-Bretanha da União Europeia está mais do que demonstrado, dois anos que demore a agonia da sua materialização, ou mesmo que negociações lhe reduzam o impacto. Só a ingenuidade leva a que se julgue que os efeitos negativos serão residuais. Também aqui a des-legitimação em que tudo ocorre se evidencia: ante o pavor que a saída gera na continuidade do sistema e nos interesses propriamente britânicos já há quem – milhões de assinatura ao iniciar-se a semana – tente fazer passar a ideia de um novo referendo. Como se a democracia fosse boa e válida só quando nos calha.
Neste panorama, numa lógica cínica há escritório internacionais de advocacia a saudarem o cenário, vendo no caos fonte de receitas pelo acréscimo de trabalho; mas mesmo descontando os estados de alma insalubres, na manhã em que se tornou conhecido o tangencial e inesperado resultado britânico, duas realidades surgiram no cenário da advocacia.
Primeira, uma prevenção: de ora diante, comentou-se, a única resposta séria que se pode dar a qualquer questão que envolva uma previsão de resultado é «talvez!».
Segunda, os escritórios que integram o “círculo mágico” britânico reuniram, tal como muitos congéneres, incluindo os sediados no além Atlântico para preparem a resposta a darem aos seus constituintes que de imediato os inundaram com questões quanto ao modo de gerirem legalmente o cenário que se aproximava. Alguns organizaram linhas telefónicas de atendimento vinte e quatro horas por dia.
Ante o Brexit e o que se lhe seguir, um mundo de incerteza aproxima-se. Mais do que já existia. A fortaleza europeia desmorona-se. A lição a tirar será à à conta das gerações futuras.
+
Fonte da imagem: aqui