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Nem toda a alteração altera

É dos institutos porventura mais polémicos do Código de Processo Penal em vigor e polémico sobretudo depois da reconstrução a que foi sujeito, o que prevê o regime jurídico da alteração [substancial ou não] dos factos delimitadores do objecto do processo.
Um dos ângulos do problema num sentido de uma interpretação restritiva do conceito foi agora considerado pelo Acórdão da Relação de Lisboa de 31.01.12[relator Luís Gominho, texto integral aqui] segundo o qual: «Iº Não é qualquer modificação da factualidade provada, em relação ao que se mostre vertido na redacção da respectiva acusação ou pronúncia, que é merecedora de ser qualificada como alteração não substancial dos factos; IIº A prova de aspectos circunstanciais da conduta do agente, que conduzem a precisões ou concretizações dos factos imputados, que em nada alteram o objecto do processo, no sentido de constituírem uma surpresa relevante para a defesa ou de tornarem diferente os eventos fenomelógicos que são objecto da acusação, não constituem alteração que mereça o enquadramento justificativo do art.358, nº1, do Código de Processo Penal».
Para fundamentar a sua conclusão o aresto ponderou: « acórdão do STJ de 24/01/2002, no processo n.º 1298/99 da 5.ª Secção (SASTJ, n.º 57, pág.ª 93), a alteração não substancial “pressupõe uma modificação com relevância para a decisão da causa, não bastando para tal que matéria de facto provada não seja inteiramente coincidente com a vertida na acusação”.
Basicamente estão presentes nesta matéria duas distintas ordens de preocupações que correspondem a outros tantos princípios de processo penal: o princípio acusatório e o da total garantia de defesa do arguido.
De permeio fica a questão do objecto do processo, conceito nuclear no funcionamento de diversos institutos adjectivos v. g. os poderes de cognição do tribunal, a extensão do caso julgado, ou avaliar a excepção da litispendência, mas que não tem, nem pode ter, uma delimitação conformativa absolutamente milimétrica.
Haja-se em vista desde logo, que sobre o Tribunal recai um princípio de investigação (cfr. nomeadamente art. 340.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal), e por isso, como o ensina Castanheira Neves, a identidade do objecto do processo ainda que não deva “ter limites tão largos ou tão indeterminados que anule a garantia implicada pelo princípio acusatório e que a definição do objecto do processo se propõe justamente realizar”, não poderá “definir-se tão rígida e estreitamente que impeça o esclarecimento suficientemente amplo e adequado da infracção imputada e da correlativa responsabilidade”.
Note-se, que nem mesmo o princípio da identidade que o conforma, postula uma sua igualdade “euclideana”, para usar a afirmação sugestiva de Simas Santos Leal-Henriques (Código de Processo Penal Anotado – Editora Rei dos Livros, 2.ª Ed., II Vol., pág.ª 413).
O que é necessário, é que estejamos perante uma alteração que efectivamente “mexa” com os direitos do arguido (como se refere no acórdão desta Relação de 29/11/2007, no Processo n.º 7223/07- 9.ª, consultável no endereço electrónico www.dgsi.pt/jtrl), que postule essa necessidade de defesa.
Assim não acontece, “quando aos factos da acusação se retiram algum ou alguns, isto é se reduz o objecto do processo já que aqueles direitos permanecem intocáveis” (acórdão da Relação de Lisboa já indicado e Ac. do STJ de 08/11/2007, no processo 07P3164, consultável em www.dgsi.pt/jstj), ou “quando os factos são meramente concretizadores ou esclarecedores dos constantes primitivamente da acusação e pronúncia” (v.g. acórdão da Relação do Porto de 19/01/2008, no processo 0815244, consultável em www.dgsi.pt/jtrp).
 
P. S. Na foto o “Largo das Alterações”, em Évora.
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