É de facto um paradoxo que na fase de inquérito o reconhecimento de alguém se deva efectuar com tantas cautelas, mormente pelo modo expresso no artigo 147º do CPP [com o uso da «fila» dos semelhantes] e, no entanto, em sede de julgamento, onde tem lugar a prova decisiva, tal possa ser efectuado limitando-se quem reconhece a apontar o dedo para aquele que, sentado no «banco dos réus», está ali, isolado, pronto para ser facilmente reconhecível. Mais do que um paradoxo, é um absurdo. E, no entanto, a lei onde se prevê o reconhecimento, não restringe o seu âmbito de previsão, pois não diz que não se aplica à audiência de julgamento. E, no entanto, na fase de instrução, ante juiz, o reconhecimento segue o rito do inquérito. Paradoxo ou absurdo, uma coisa é certa: tudo isto é constitucional. Di-lo o Acórdão n.º 425/2005 do Tribunal que «não julga inconstitucional o 147º, nos 1 e 2, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual quando, em audiência de julgamento, a testemunha, na prestação do seu depoimento, imputa os factos que relata ao arguido, a identificação do arguido efectuada nesse depoimento não está sujeita às formalidades estabelecidas em tal preceito – , de 25 de Agosto de 2005».
Li isto e lembrei-me do julgamento em que uma simpática velhinha, a quem havia sido sacada, por esticão, a sua malinha, na Avenida de Roma, declarando em audiência ante três jovens, que estavam a ser julgados por coisas parecidas, entre as quais a da sua carteira, convidada pelo juiz, igualmente amável, a identificar quem seria o autor, plantou o dedo em direcção a um deles, logo o que negava ter tido algo a ver com aquele «assalto», e assim o manteve, alguns minutos que pareciam horas, até que, decidindo-se rematou: «este não era, senhor juiz, porque é muito novinho». Escusado será dizer que o rapaz ia tendo um ataque cardíaco, ante esta situação, sem dúvida, perfeitamente constitucional!